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A solução Viagra:
Concepções de masculinidade e impotência no discurso biomédico
The solution Viagra:
Conceptios of masculinity and impotence in medical speech
Emanuelle Silva Araújo
O presente artigo busca, a partir do lançamento do Viagra, primeiro medicamento oral contra a impotência, realizar um estudo sobre as representações da masculinidade contidas nas
publicações biomédicas que abordem como tema central a medicalização da impotência.
Objetiva-se, ainda, refletir sobre a forma com que os medicamentos contra a impotência são
apresentados, atentando para a produção de significados e valores no que tange à questão da
sexualidade masculina.

Palavras-Chave:
Sexualidade Masculina; Viagra; Medicina; Antropologia Da Saúde.

ABSTRACT

The present paper attempts, based on the release of Viagra, the first oral medicine against impotence, to realize a study about the representations of masculinity presented in
medical publications that contain the usage of medicaments to treat impotence as their central
subject. This study also attempts to analyze the way the medicaments against impotence are
presented, focusing on the production of values and significances in what concerns to the
male sexuality.
Key Words: Male Sexuality; Viagra; Medicine; Medical Anthropology
No ano de 1998, o Viagra (citrato de sildenafil), primeiro medicamento oral contra a impotência sexual masculina, surgiu no mercado farmacêutico acompanhado de uma enorme divulgação pelos veículos de comunicação, sendo anunciado como uma revolução sexual, comparável à pílula anticoncepcional. Em pouco tempo o medicamento tornou-se fenômeno absoluto de vendas no Brasil, perdendo apenas para os Estados Unidos. Em decorrência do sucesso da pílula, novos medicamentos são lançados a cada ano e, com eles, publicações da área biomédica sobre a temática. Contudo, nas ciências sociais, este fenômeno não suscitou um grande número de debates e produções acadêmicas. Tendo isto em vista, pretende-se realizar com este trabalho um estudo sobre as representações da masculinidade nas publicações biomédicas que abordem como tema central a medicalização da impotência, buscando refletir sobre a forma com que esses medicamentos são apresentados e atentando para a produção de significados e valores no que tange à questão da sexualidade masculina. Para que isso fosse possível, buscou-se discorrer sobre uma breve passagem da história da medicina citando a criação de especialidades médicas como a ginecologia e a andrologia, além de algumas considerações sobre corpo, binômio saúde/doença e medicalização na O presente artigo foi escrito a partir do projeto de pesquisa A “pílula milagrosa” e a impotência sexual masculina: Um estudo sobre as construções da masculinidade nas páginas da revista Veja, que é um desdobramento de um projeto maior denominado Sexualidade e Saúde Reprodutiva: Conhecendo Valores e Ampliando Capacitação em Metodologias Quantitativas, realizado pelo Núcleo de Pesquisa Social Aplicada, Informações e Políticas SEXO E GÊNERO NA MEDICINA
A ciência é produto de seres humanos particulares que vivem em tempos e lugares específicos e são afetados pelas circunstâncias de suas vidas. Ela estaria, assim, muito próxima da ideologia, definida como visão de mundo expressa por um grupo que informa sua percepção e conceituação (Russet apud Rohden, p. 25) Inicialmente, Fabíola Rohden (2001) em sua tese de doutorado almejava investigar a história sobre a sexualidade e a reprodução. Contudo, ao iniciar seus estudos, percebeu nos documentos médicos que em boa parte do século XIX principalmente, a medicina da sexualidade e reprodução era a medicina sobre a mulher. Isso se traduzia na criação de uma especialidade médica, a ginecologia, que se definia como a “ciência da mulher”. Segundo a autora, no século XVIII falava-se mais do sexo masculino, época em que a disciplina do sexo recaía principalmente nos colégios de meninos e escolas militares. A mulher passa a adquirir maior importância médico-social, no século seguinte, sobretudo em função dos problemas ligados à maternidade, ao aleitamento e à masturbação. Nessa época, pouco se falava da importância do homem na reprodução, “talvez porque não se questionasse o seu papel. Não se ousava, por exemplo, falar em esterilidade masculina. Somente com as doenças venéreas a sexualidade do homem passaria a ser tematizada mais amiúde” (ROHDEN, p.31). Nesse sentido, Sérgio Carrara revela em seu trabalho como o corpo e a sexualidade masculinos são alvo de grandes preocupações em função da sífilis e de outras doenças venéreas. Rohden lembra, contudo, que a sifilografia não corresponde ao enfoque privilegiado que a ginecologia constrói sobre a reprodução, no caso da mulher, e também não se apresenta por definição como a ciência da masculinidade (p.36). A andrologia estaria relacionada com a doença que vem de fora ou que é decorrente do excesso sexual. Por conseguinte, a andrologia seria uma ciência dos “problemas sexuais” masculinos, sinalizando uma anormalidade, enquanto a ginecologia seria a “ciência da mulher”, não restrita aos problemas sexuais ou de reprodução femininos (p.38). De acordo com a Sociedade Portuguesa de Andrologia, essa ciência dos “problemas sexuais” masculinos, “começa a perfilar-se como ramo da Ciência Médica com identidade própria e definida nos princípios dos anos 60. O termo Andrologia aplicado à Medicina foi empregue pela primeira vez pelo ginecologista alemão Siebke simbolizando o conceito de ginecologia masculina. E se inicialmente esteve muito ligado à necessidade de uma informação correta para a avaliação do fator masculino na reprodução, o seu âmbito foi progressivamente alargado ao estudo e tratamento das alterações das funções reprodutora e sexual no homem” (Site da Sociedade Portuguesa de Andrologia). Já a Urologia é definida pelo Dr. Manuel Mendes Silva - chefe do Serviço Hospitalar de Urologia do Hospital Militar Principal, em Lisboa e presidente da Associação Portuguesa de Urologia - como uma especialidade médico-cirúrgica que estuda e trata as doenças do aparelho urinário e do Heilborn e Carrara (1998) também discorrem sobre o tema elucidando que a andrologia nunca conquistou o mesmo prestígio que a ginecologia. “(.) no âmbito das ciências biomédicas, uma andrologia – enquanto ciência dos problemas que afetam os homens - nunca conquistou o mesmo grau de sistematicidade ou o mesmo prestígio acadêmico de disciplinas como a ginecologia, embora sua constituição tenha sido proposta pontualmente ao longo desse nosso século. Talvez seja por isso mesmo que ainda hoje, no Brasil e em outros países ocidentais, homens com problemas específicos ao seu sexo continuem a ser tratados por urologistas, ou seja, por especialistas de uma disciplina que é teoricamente endereçada a um indivíduo universal, a um ser humano não marcado por quaisquer atributos de gênero” (HEILBORN e CARRARA, p. 371). Em uma busca dos significados da palavra “ginecologia”, Rohden nota que não há qualquer referência à andrologia nos dicionários citados pela autora (Enciclopédia Luso- Brasileira de Cultura; Grande Enciclopédia Delta Larousse; Oxford English Dictionary; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e; Enciclopédia Mirador Internacional). Quanto à urologia, só em alguns casos sua definição expressa, além do estudo e tratamento do aparelho urinário em ambos os sexos, a preocupação com os órgãos sexuais masculinos. Jamais a noção de um estudo do homem apareceu nas referências (ROHDEN, p. 36). Pude constatar em uma breve pesquisa em enciclopédias atuais, como a Enciclopédia Encarta 2000, a ausência de qualquer referência a essa especialidade. O que dizer sobre um veículo moderno como a internet? Nas páginas da internet percebe-se facilmente que o conteúdo relacionado à sexualidade masculina é esmagadoramente inferior quando relacionado à sexualidade Podemos perceber nessa breve passagem da história da medicina e nessas pequenas considerações uma quase indiferença pelo corpo masculino, traduzido pelo grande prestigio alcançado pela ginecologia, além da disparidade no tempo em que as especialidades são criadas: a ginecologia, já com grande sucesso no século XIX, enquanto a andrologia, como especialidade com identidade própria e definida, somente na segunda metade do século XX. Além disso, e principalmente, a história da medicina nos evidencia uma construção social e cultural da ciência. Segundo Laqueur, as descobertas científicas sozinhas nada significam. Só fazem sentido e só acontecem dentro de um contexto social propício e respondendo a demandas sociais particulares em cada momento (ROHDEN, p.17). CORPO, SAÚDE/DOENÇA E MEDICALIZAÇÃO
O corpo humano é sempre tratado como uma imagem da sociedade e não existe maneira natural de considerar o corpo que não envolva, ao mesmo tempo, uma dimensão social. Conversa séria sobre sexualidade é inevitavelmente sobre sociedade (DOUGLAS apud FLORES, p. 227) Atentando para a perspectiva de que o foco deste trabalho é a medicalização da impotência, tornam-se imprescindíveis algumas considerações sobre corpo, binômio saúde/doença, e o sentido dado aos medicamentos na sociedade ocidental moderna. Ferreira (1994) nos diz que o corpo é pensado, representado e passível de leituras diferenciadas de acordo com o contexto social, tornando-se assim um importante objeto de estudo dentro das ciências sociais. O corpo é o reflexo da sociedade, não sendo possível conceber processos exclusivamente biológicos, instrumentais ou estéticos no comportamento humano. O corpo é emblemático de processos sociais. Segundo Foucalt, o corpo, sendo espaço de doença, torna-se um texto passível de diferentes leituras em busca de significados tanto para o doente, como para o clínico (FERREIRA, p.101). A noção de saúde e doença seria também uma construção social, pois o indivíduo é doente segundo a classificação de sua sociedade e de acordo com critérios e modalidades que ela fixa. Isto implica que o saber médico também está intimamente articulado com o social (FERREIRA, p.103). De acordo com a mais nova definição da OMS – Organização Mundial de Saúde, 1 Trecho extraído do artigo de GALVÃO (1999). “A habilidade de identificar e realizar aspirações, satisfazer necessidades, e de mudar ou interagir com o meio ambiente. Logo, saúde é um recurso para a vida diária, não o objetivo de viver. Saúde é um conceito positivo enfatizando os recursos pessoais e sociais, assim como as capacidades físicas”. Galvão (1999) percebe que nessa perspectiva de saúde proposta pela OMS, “saúde não é somente uma responsabilidade do tradicional setor ‘saúde’, mas de todos os setores e instituições que podem influenciar o bem-estar dos indivíduos e das comunidades”. Eu me arriscaria a perguntar: saúde engloba tudo? Nesse contexto, qual seria o lugar de um medicamento como o Viagra que promete, por exemplo, dar conta de um problema como a impotência que pode ter origem tanto orgânica quanto psicológica? Perguntas não respondidas Quanto à noção de doença, Ferreira elucida que muitos estudos destacam que as representações que os indivíduos possuem a respeito de doença estão diretamente relacionadas com os usos sociais do corpo em seu estado normal. Assim, qualquer alteração na qualidade de vida implica estar doente (FERREIRA, p.104). Por conseguinte, a medicalização seria um fenômeno diretamente relacionado à concepção de saúde/doença de médicos e pacientes. Segundo Duarte (1999), “Há a medicamentalização2 de um modo geral e, mais especificamente, todos os fenômenos que hoje excitam e avassalam os meios de comunicação de massa a propósito do uso do corpo, da construção de um corpo ótimo, na maximização da saúde, etc. Basta lembrar a questão do consumo, por exemplo, de um medicamento novo, como o Viagra, dedicado a oferecer uma potência masculina ilimitada” (DUARTE, p.22). Azize (2002) discorre sobre medicamentos que fazem sucesso entre as classes médias urbanas, estando o Viagra no rol desses medicamentos. O autor levanta questões importantes sobre o tema, como a categoria “Lifestyle drugs” - as drogas do estilo de vida - expressão encontrada em uma reportagem sobre Viagra na revista Época de 6/09/1999. Segundo Azize, os discursos que fazem referência aos medicamentos como o Viagra algumas vezes “parecem estar relacionados à idéia de que as pílulas não são usadas somente para combater um mal, desconforto ou doença, mas funcionam como um elemento que ajuda o indivíduo a recuperar É com base nas considerações acima que desenvolvo uma análise do discurso biomédico contido nas páginas de um livro que trata sobre a sexualidade masculina: A 2 Note que o autor usa o termo “medicamentalização” e não a palavra “medicalização” para enfatizar o uso dos medicamentos. solução Viagra – a cura da impotência, do Dr. Steven Lamm, clínico geral; e teço alguns comentários sobre o livro A menopausa do homem, de Jed Diamond, psicólogo. ANÁLISE DO DISCURSO BIOMÉDICO
Ao fazer um levantamento sobre os livros de divulgação do Viagra, primeiro medicamento oral contra a impotência sexual masculina, deparei-me com dois livros. Um deles trazia o título A solução Viagra – A cura da impotência, acompanhado pelo seguinte “Tudo o que você precisa saber sobre a pílula que devolve a potência e melhora o desempenho sexual do homem”; o outro, intitulado A Menopausa do Homem não abordava especificamente o tema da impotência, contudo, apresentava a seguinte frase em sua capa: “Com as últimas novidades sobre o Viagra, o Vasomax e terapias de substituição de hormônios”. Atentei para o fato de os dois autores não serem especialistas em problemas sexuais masculinos, sendo um, clínico geral, e o outro, psicólogo. Sendo o objetivo deste trabalho a análise do discurso biomédico, optei por trabalhar com o livro que aborda diretamente o tema da impotência sexual masculina, cujo autor é um profissional da área médica, sem, no entanto, descartar o outro livro que advém de outra perspectiva. Começo, então, com uma breve apresentação do livro Menopausa Masculina e sigo com a análise proposta. Jed Diamond (1998) traz em seu livro Menopausa Masculina informações sobre as suas experiências clínicas ao longo de trinta anos, bem como sobre os mais recentes estudos da medicina sobre sexualidade, longevidade e vitalidade. O autor refere-se ao Viagra como “o mais importante avanço médico sobre sexualidade masculina deste século”. Segundo o psicólogo, o Viagra auxilia os homens a estabelecer e manter uma ereção suficiente para uma relação sexual satisfatória; melhora os orgasmos e potencializa a qualidade do intercurso sexual como um todo, além de as ereções ocorrem “à moda antiga”, e parecem mais naturais, diferenciando-se dos outros medicamentos. O autor apresenta um discurso mais cuidadoso e menos “inflamado” em relação ao Viagra, se comparado ao Dr. Steven Lamm. Diz ele: “Somos uma sociedade de soluções imediatistas. Todos queremos uma pílula mágica que tornará tudo certo no mundo. A popularidade do Viagra está na crença de que podemos melhorar nossa vida sexual rápida e facilmente. Venho trabalhando com homens e mulheres há 35 anos, e já vi várias ‘poções sexuais mágicas’ sendo trombeteadas pela mídia. O Viagra, e qualquer outra droga que venha a ser alardeada como a nova ‘pílula da paixão’, não é uma poção mágica. Embora existam indicadores de que seja segura e eficaz, ainda não temos resultados a longo prazo” (p.17). Diz ainda: “Eu recomendaria cautela aos seguidores contumazes da tecnologia – seja para o Viagra ou para qualquer futura descoberta biotecnológica. O Viagra não vai reparar um relacionamento destruído pelo medo e pela vergonha, raiva ou dúvida. É preciso tempo e muitas vezes aconselhamento profissional para se construir um relacionamento deteriorado” (p.18). Diamond diz que “essa é uma área da medicina que certamente se tornará controversa, à medida que mais pessoas tenham contato com a droga e ouçam relatos na mídia e de amigos sobre sua eficácia” (p.16). Levanta as seguintes questões: “Ela poderia ser usada por homens, e possivelmente por mulheres, como uma droga recreativa para potencializar o prazer? Como isso afetaria os relacionamentos? As pessoas se tornariam ‘dependentes’ dos efeitos e teriam dificuldade de fazer amor sem a droga? Surgirá um mercado negro para aqueles que queiram utilizá-la?” (p.16). O autor não se propõe a respondê-las, são apenas algumas reflexões. O livro de Dr. Lamm (1998) A solução Viagra – A cura da impotência se propõe a falar de outros métodos contra a impotência, como injeções, próteses e bomba a vácuo. E também apresenta novos medicamentos, como o Vasomax (fentolamina), outro medicamento oral contra a impotência. No entanto, é o medicamento Viagra que dá título ao livro. Ao longo de seu trabalho, Dr. Lamm apresenta várias metáforas relacionadas ao uso do Viagra e do Vasomax, tais como: “milagre médico”; “revolução”; “pílulas do relacionamento”; “produtos farmacêuticos miraculosos”; “pílula da ereção”; “pílula do romance”, “pílulas românticas”, “cura milagrosa”. O médico faz ainda uma analogia do Viagra como uma aspirina, naturalizando assim o uso desse medicamento. Nota-se freqüentemente no discurso da mídia, de pacientes e de médicos a inclusão do Viagra na categoria milagre; também a analogia do Viagra como uma aspirina costuma ser bastante Segundo Dr. Lamm, o Viagra e o Vasomax são medicamentos seguros que ajudam a restabelecer as ereções, qualquer que seja a causa básica do problema. Diz que esses remédios são facilitadores e reforçadores das ereções, porém acrescenta que “emoção e amor podem desempenhar um papel importante no sucesso desses medicamentos” (p.14). No discurso utilizado pelo médico os resultados atribuídos aos medicamentos vão além da simples ereção, tais como: reforçar a auto-confiança, influenciando positivamente todas as facetas da vida do homem, incluindo seu trabalho; consertar relacionamentos dilacerados por frustração; oferecer alegria na esfera sexual; solidificar os laços sexuais com a companheira; restabelecer a intimidade, aprofundando relacionamentos; renovar e fortalecer a vida sexual existente – ou mesmo latente; eliminar a depressão associada à DE; solidificar relacionamentos. “Tudo isso em questão de minutos”, lembra sempre o médico. Dr. Lamm diz ainda notar alguns padrões regulares em pacientes que utilizam esses medicamentos, como por exemplo: “rompimentos de compromissos insatisfatórios logo que restabelecida a virilidade; diminuição do estresse e da ansiedade; senso de inteireza, juntamente com integração de corpo e mente; confiança recuperada que transborda para outras áreas da vida; renovação do desejo de companheirismo em indivíduos que não têm companheiras; nos casos de alguns, a mesma liberdade de procurar e saborear o prazer que sentiram como adolescentes; nos de outros, os efeitos libertadores permitem uma exploração total da própria natureza de sua sexualidade – e algumas verdadeiras surpresas” (p.98). A impotência sexual adquire status de doença nesse texto, transformada em disfunção erétil, na seguinte passagem: “Durante décadas, acreditou-se que a DE era mais um problema psicológico do que fisiológico. Não obstante, em numerosos casos, o problema é físico e, às vezes, uma combinação de ambos. E tal como outras situações médicas, pode exigir medicação. Você acredita que pressão arterial alta é um problema ‘mental’? Ou que o nível de colesterol baseia-se no que se passa ‘em sua cabeça’? Ou, pior ainda, que se um problema médico for deixado sem tratamento ele simplesmente desaparecerá? Sinceramente, tenho esperança que não” (p.22). Dr. Lamm define a DE como uma condição imparcial: “Afeta por igual homens de todas as idades e circunstâncias, quaisquer que sejam seus hábitos ou preferências sexuais. A DE, porém não diz respeito a padrões de desempenho ou a uma escala arbitrária da freqüência com que o indivíduo deve ou precisa praticar sexo. Mas qualquer que seja a causa, o problema pode ser tratado agora, de modo rápido e indolor” (p.22). Ou seja, isso significa que a disfunção erétil é uma doença que atinge a todos da mesma forma e, por Ao falar dos efeitos “devastadores” causados pela disfunção erétil, o médico recorre à sua posição de homem e médico: “Como homem e médico, compreendo que, com toda probabilidade, não há outro problema de saúde que tenha um potencial tão grande de frustrar, humilhar e arrasar o indivíduo como a DE. Mas você tem que assumir o controle da situação, admitindo o problema, examinando suas causas prováveis e procurando tratamento. A DE produz um efeito profundo sobre a vida das pessoas a quem toca. Incontáveis casamentos e relacionamentos de longa data foram quebrados por ela. Se a DE é um problema, os novos medicamentos não só o tratarão, mas o ajudarão a renovar seus laços com a pessoa que ama” (p.23). Para o autor, uma ereção invariavelmente rígida seria um elemento fundamental da identidade masculina. Propõe ainda, em alguns casos, aconselhamento psicológico especial para eliminar a ansiedade ou a raiva freqüentemente associadas à DE. Segundo o médico, “usar medicação para DE dificilmente pode ser considerado como sinal de fraqueza ou inadequação. Pelo contrário, significa que o homem está enfrentando seu problema e, na verdade, resolvendo-o da forma mais indolor e prática possível” (p.97). Dr. Lamm classifica o uso dessas medicações como um tratamento “racional”, em que o paciente Dr. Steven Lamm relata que por muito tempo somente as mulheres iam ao seu consultório para falar de seus problemas sexuais. Fato este justificado por dois fatores: a maioria dos homens não falava sobre a sua DE e; as soluções disponíveis eram poucas e insatisfatórias. Segundo o autor, a pesquisa médica neste século absteve-se de focalizar uma das poucas doenças que acometem apenas o homem. Diz ainda que o problema foi tratado grosseiramente e sem delicadeza, sem nenhum esforço para descobrir uma medicação fácil de tomar e com inteiro desprezo pela qualidade de vida do paciente. Diz que há 25 anos, a disfunção da ereção não era assunto que merecesse muito exame ou longas discussões. A sexualidade – e em especial os problemas da ereção – jamais foi realmente considerada como assunto médico decoroso e urgente, e muito menos essencial para a saúde e o bem-estar. Como resultado, a pesquisa focalizada no funcionamento masculino atrasou-se em relação a outras áreas da medicina (p.25). O advento do Viagra teria ocasionado uma mudança grandiosa neste cenário: “Estamos agora em uma era inteiramente nova da medicina sexual, onde, felizmente, muitos homens estão se apresentando e manifestando o desejo de ajuda” Pude perceber na leitura do discurso biomédico não apenas a divulgação de medicamentos que promovem a ereção, mas o anúncio de um recurso milagroso que promete dar conta de esferas da vida do homem que vão além da vida sexual, indicando, dessa maneira, uma posição central do pênis ereto na vida dos homens. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A medicina, ao transformar a impotência sexual em disfunção erétil conferiu a este problema masculino um outro status: o da doença que precisa ser medicada. Como diz Dr. Lamm, estamos em uma nova era da medicina sexual, em que os homens se apresentam e desejam ser ajudados. Isso significa que os homens somente tiveram coragem para falar sobre seus problemas sexuais após a criação de uma doença chamada disfunção erétil, um problema que vem de fora, uma anormalidade. Da mesma forma, a ciência passou a tematizar mais freqüentemente a sexualidade masculina com o surgimento de uma doença venérea como a sífilis. Nesse momento da história da medicina de luta contra a sífilis o corpo dos homens até então indevassável finalmente se rende à medicalização. O Viagra surge como uma solução simples e rápida aos problemas de ereção dos homens, solução esta estendida para todas as esferas da vida, como nos mostra o discurso de Dr. Lamm. Contudo, não podemos nos esquecer de que o Viagra trata-se de apenas mais uma “droga do comportamento” que promete resolver todos os problemas e trazer felicidade com a simples ingestão de um comprimido. Devemos observar o fenômeno da medicalização da impotência com um certo cuidado para não considerá-lo um fato isolado. Como nos lembra Duarte, “há a medicamentalização de um modo geral”. O sucesso do Viagra viria, ainda, responder a uma demanda ligada a valores de nossa cultura ocidental imediatista e hegemônica. A virilidade sexual ocupa em nossa sociedade um lugar central na construção de referências para a masculinidade. No imaginário masculino, ao que parece, ter ereção/potência é ter masculinidade e ter masculinidade é ter tudo; sendo que a potência/impotência sexual é comumente ampliada para outras esferas da vida do homem. A medicalização da impotência atingiria dessa forma o imaginário masculino no que toca a questão da saúde sexual, já que ela está intimamente ligada à capacidade de manter uma REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Assistente de pesquisa do projeto Sexualidade e Saúde Reprodutiva: Conhecendo Valores e Ampliando Capacitação em Metodologias Quantitativas no Núcleo de Pesquisa Social Aplicada, Informações e Políticas Públicas – DataUff, financiado pela Fundação Ford. Pesquisa em andamento: A “pílula milagrosa” e a impotência sexual masculina: Um estudo sobre as construções da masculinidade nas páginas da revista Veja Participação em congressos: Encontro Internacional Fazendo Gênero V – Feminismo como política. Participação no Grupo de Trabalho “Masculinidade, Paternidade e Sexualidade” com o trabalho “A pílula Milagrosa e a Impotência sexual Masculina”. Universidade Federal de Santa Catarina, nos dias 8, 9, 10 e 11 de outubro de 2002. Graduada em Psicologia pela Universidade Estácio de Sá Endereço: Rua Ministro Viveiros de Castro, 15/813 – Copacabana. CEP – 22021-010. Telefones: (21) 2542-1820 (residência); (21) 2621-6533 (trabalho); (21) 9257-4914 (celular).

Source: http://www.rizoma.ufsc.br/pdfs/520-of8a-st3.pdf

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History of Technology — 4. The Industrial RevolutionHistory of Technology — 4. The Industrial Revolution Síntese da Encyclopaedia Britannica (1750-1900) Nota: para consultar as restantes partes da sínteseconsult no final desta parte e clicanos hyperlinks azuis para abrir os respectivosficheiros pdfHistory of Technology — 4. The Industrial RevolutionIV. The Industrial Revolutio

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