A face territorial do desenvolvimento Resumo: Observa-se, de maneira geral, o emprego cada vez mais freqüente da expressão “desenvolvimento territorial” ou, por vezes, “desenvolvimento espacial”. Tal tendência pode indicar uma revalorização da dimensão espacial da economia, mas pode, igualmente, refletir o hábito corrente de se acrescentar adjetivos ao substantivo “desenvolvimento”. A investigação aqui exposta permite avançar proposições que decorrem dos debates sobre as tendências da diferenciação espacial cidade/campo, sobre a heterogeneidade espacial do dinamismo econômico e sobre as iniciativas locais que podem ser cruciais para o desenvolvimento. Procura-se, dessa forma, estabelecer as principais relações desses debates com a evolução do “planejamento regional”. Palavras-chave: Planejamento regional; Meio inovador; Desenvolvimento territorial. Abstract: It is observed, in general, the frequent use of the expression “territorial development” or, some times, “spacial development”. Such trend can indicate a revalorization of the space dimension of the economy, but it can, equally, reflect the current habit of if adding adjectives to the substantive “development”. The here displayed research allows to advance proposals that elapse of the debates on the trends of the space unbundling cidade/campo, on the space heterogeneidade of the economic dynamism and on the local initiatives that can be crucial for the development. It is looked, of this form, to establish the main relations of these debates with the evolution of the “regional planning”. Keywords: Regional planning; Innovative medium; Territorial development. Resumen: Se observa, en general, el uso frecuente de la expresión “desarrollo territorial” o, algunas veces, “desarrollo spacial”. Tal tendencia puede indicar un revaloriza1ción de la dimensión del espacio de la economía, pero puede reflejar, igualmente, el hábito actual de agregarse adjetivos al substantivo “desarrollo”. La investigación aquí expuesta permite avanzar proposiciones decorrientes de las discusiones sobre las tendencias de la diferenciación espacial cidade/campo, sobre el heterogeneidade espacila del dinamismo económico y sobre las iniciativas locales que pueden ser cruciales para el desarrollo. Buscase, de esta forma, establecer las relaciones principales de estas discusiones con la evolución de la “planificación regional”. Palabrasclaves: Planificación regional; Medio innovador; Desarrollo territorial. Introdução
campo, mais concentrado entre pesquisa-dores de temas rurais. Trata-se essencialmen-
te de uma crítica à tendência relativamente
emprego cada vez mais freqüente da expres-
são “desenvolvimento territorial” (por vezes
e urbanização, como fazem os que afirmam
“desenvolvimento espacial”). Seu principal
ser impossível que uma área rural se desen-
objetivo é saber se tal tendência indica uma
revalorização da dimensão espacial da econo-
mia, ou se, ao contrário, não passa de mais
neidade espacial do dinamismo econômico,
mais concentrado entre estudiosos da “eco-
se acrescentar adjetivos ao substantivo ‘de-
nomia industrial”. Ela examina a tortuosa
senvolvimento’. A resposta também acabou
evolução do debate internacional desenca-
sendo de natureza geográfica: “nem tanto ao
deado pelos estudos sobre os distritos indus-
céu, nem tanto à terra”. Ou seja, parece estar
triais marshallianos, que acabou dando res-
paldo científico à idéia do ‘desenvolvimento
local’, isto é, de que as iniciativas locais
indica que tal evolução está longe de permitir
podem ser cruciais para o desenvolvimento,
que se considere a expressão “desenvol-
pois se tornam importante fator de competi-
tividade ao fazerem dos territórios ambientes
propriamente dito, além de ser muito cedo
inovadores. E a terceira procura estabelecer
para conhecer seus efeitos práticos. Mesmo
as principais relações desses dois debates
não podendo dar uma resposta mais original
com a evolução do “planejamento regional”.
à referida pergunta, a investigação aquiexposta foi tão frutífera que permite avançar,
1. Da “dicotomia” ao “continuum” rural-
a título de conclusões, dez proposições bem
menos banais. Elas decorrem de uma expo-sição que está organizada em três partes.
esteja sujeito a um processo de urbanização
tendências da diferenciação espacial cidade/
tão poderoso que a histórica contradição
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, p. 5-19, Set. 2002.
entre cidade e campo estaria fadada a desa-
parecer. Contudo, o que se verifica é a exis-
seja muito atraente a crença de que o destino
tência de três tipos de países desenvolvidos
do espaço rural será seu desaparecimento
sob o prisma da diferenciação espacial entre
por força de avassaladora urbanização. Para
áreas rurais e urbanas. Primeiro, um pequeno
seus adeptos, a oposição cidade-campo já
seria, inclusive, uma questão inteiramente
Holanda, Bélgica, Reino Unido e Alemanha,
no qual as regiões essencialmente urbanas
passaria de mero sucedâneo de uma forma-
ção social anterior, condenada pura e sim-
regiões essencialmente rurais menos de 20%,
plesmente a sumir, a exemplo do que já teria
sendo que as intermediárias variam entre
ocorrido na Holanda, essa vasta metrópole
30% e 50%1. No extremo oposto há um grupo
maior, formado por quatro países do “Novo
verdes onde se misturam espaços recreativos
e terrenos de uso agrícola. A idéia chegou a
Unidos e Nova Zelândia - mas do qual tam-
ser formulada nesses termos pelo secretário
bém fazem parte três nações muito antigas:
Irlanda, Suécia e Noruega. Nesse grupo as
regiões essencialmente rurais cobrem mais
de 70% do território e as relativamente rurais
têm porções inferiores a 20%. Finalmente, no
Japão, Áustria e Suíça, países nos quais entre
holandês, de grande metrópole esverdeada,
50% e 70% do território pertence a regiões
não resiste a qualquer tentativa de se encon-
trar homogeneidade espacial entre os países
mais desenvolvidos, mesmo que se admita o
fundamentos desses três padrões de diferen-
aspectos demográficos da questão. Um dos
ciação espacial do mundo desenvolvido será
países desenvolvidos mais densamente po-
forçosamente levado a considerar fatores
voados – a Suíça – tem 13% de sua população
naturais objetivos, como o relevo, clima e
em regiões essencialmente rurais, 25% em
hidrologia. Rejeitar explicações baseadas no
determinismo natural não significa que se
regiões essencialmente urbanizadas. Esten-
possa admitir o puro e simples possibilismo,
dendo-se por largas partes do Jura, da Plaine
isto é, a desconsideração de limites físicos e
e dos Alpes, as zonas rurais contribuem de
biológicos à ação humana na formação dos
maneira significativa à economia nacional,
espaços rurais e urbanos, eludindo, assim,
toda a problemática do relacionamento entre
exterior. E suas funções de residência, traba-
lho e lazer são consideradas essenciais por
naturais2. Além disso, foi justamente o avan-
ço das pesquisas científicas em urbanismo
que fez emergir o conceito de “ecossistema
habitantes de meia dúzia de países do oeste
territorial”, entendido como o espaço sem o
europeu reside em regiões essencialmente
exercer o conjunto de suas próprias funções
regiões relativamente rurais dessa seleta meia
vitais. Se o ecossistema territorial é composto
dúzia de países varia de 15% na Holanda a
44% na Itália. Nesta última, como no Japão,
biológico, quanto do ambiente construído e
não chegam a 50% os habitantes de regiões
do ambiente antrópico, torna-se impossível,
então, recusar todo e qualquer tipo de deter-
residam em localidades urbanas. Em países
minismo geográfico para explicar a locali-
maiores, como a França e o Canadá, apenas
zação das atividades e das populações, como
29% e 44% dos habitantes estão em regiões
pretendiam os primeiros teóricos da econo-
residam em localidades urbanas. De resto, a
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diferenciação rural/urbana pode ser muito
parecida em territórios tão diferentes quanto
o da França e o dos Estados Unidos.
população encontrava-se abaixo do nível de
os vários tipos de atividade econômica que
solução em 535 deles, quase todos concen-
permitem elevar os níveis de renda, educação
trados no sudeste e no sudoeste, mas tam-
e saúde de muitas populações que conti-
bém presentes nos Appalaches e em algumas
nuam rurais. As novas fontes de crescimento
reservas indígenas do norte e do oeste. Toda-
das áreas rurais estão principalmente ligadas
via, mais de 80% da população rural ameri-
a peculiaridades dos patrimônios natural e
cultural, o que só reafirma o contraste entre
os contextos ambientais do campo e da cida-
de. Enfim, a visão de uma inelutável marcha
nações de atividades terciárias com as duas
para a urbanização como única via de desen-
outras categorias setoriais. Para o conjunto
volvimento do campo só pode ser considera-
dos espaços rurais dos Estados Unidos, as
da plausível por quem desconhece a imensa
novas fontes de crescimento e emprego estão
diversidade que caracteriza as relações entre
nas atividades de serviços ligadas ao lazer,
espaços rurais e urbanos dos países que mais
à aposentadoria e ao meio natural, mesmo
se desenvolveram. Não faz sentido, portan-
tipos de serviços, como os financeiros, de
zação, como propõem sem rodeios os que
seguros, imobiliários, de comércio varejista,
dizem ser impossível que uma área rural se
de restauração, de lavagem a seco, etc.
Enfim, as áreas rurais dos países avan-
nizadas as microrregiões rurais dos Estados
qualquer vocação que as conecte às dinâ-
micas econômicas de outros espaços – sejam
perspectivas de desenvolvimento. São prin-
eles urbanos ou rurais – e não aquelas que
cipalmente as do sul e do oeste que dispõem
teriam sido incapazes ou impossibilitadas de
de clima agradável, montanhas, lagos, praias,
podendo atrair muitos aposentados, turistas,
crescimento econômico das áreas rurais estão
excursionistas, esportistas, etc. Além desses
principalmente ligadas a peculiaridades do
condados já escolhidos por migrantes de alta
patrimônios natural e cultural, intensifica-
renda, há muitos outros, principalmente no
oeste, nos quais a forte incidência de terras
Tudo isso quer dizer, então, que a desa-
federais faz com que seu futuro esteja estrei-
creditada abordagem “dicotômica” deveria
tamente vinculado à evolução das políticas
ser reabilitada? Estaria sendo contrariada a
governamentais relativas ao meio ambiente,
abordagem inversa, de “continuum”? Depen-
ao turismo e outros ramos recreativos. De
de muito, na verdade, do significado que se
resto, elevadas rendas per capita ocorrem nos
forma, o que não parece existir é qualquer
porque ali os serviços vinculados a atividades
histórica contradição entre cidade e campo,
níveis de densidade demográfica. E há muita
inclusive no caso holandês, onde os espaços
incerteza sobre as perspectivas socioeconô-
micas de condados rurais da metade oriental
meros corredores nos quais convivem ativi-
do país, principalmente no sudoeste, onde os
dades agrícolas e recreativas. Em outras
serviços se combinaram a outros tipos de
palavras, há uma falsa alternativa sendo
“continuum”. Mas para disso se dar conta, é
às regiões rurais de um mesmo país podem
absolutamente necessário sair do isolamento
ser muito mais significativas que as referentes
demográfico (ou no máximo sociológico) em
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, Set. 2002.
fundamentos ecológicos e econômicos tives-
lidades que desencadeou tantas discussões
sobre as virtudes dos distritos industriais
várias dinâmicas socioeconômicas, das mais
efêmeras às mais duráveis, distinguindo bem
amplos programas de pesquisa sobre relações
as reversíveis das irreversíveis, pois algumas
das mais diversas entre mutações econômicas
podem ser duráveis sem que sejam necessa-
riamente irreversíveis. Ninguém ignora que
Foi a identificação de “constelações eco-
a proporção das atividades primárias nas
nômicas localizadas que venciam a recessão”
economias mais desenvolvidas caiu, neste sé-
em áreas relativamente rurais como a Toscana
culo, de metade para um vigésimo. Enquanto
e Emilia-Romagna (Itália), Baden-Württemberg
isso, as terciárias subiram de um quarto para
(Alemanha), Cambridge (Inglaterra), Smäland,
mais de três quintos, e as secundárias desli-
(Suécia), e até essencialmente rurais, como West-
Jutdland (Dinamarca), que levou um grupo de
terço. Só que os resultados dessas grandes
pesquisadores ligados à OIT a se perguntar, em
tendências foram bem heterogêneos. Entre
os países do primeiro mundo, a parte dos
combinação entre eficiência e altos níveis de
serviços varia de 50% a 70%, a das industriais
de 40% a 25%, e a das primárias de 10% a
Idêntica interrogação estava no centro
das preocupações que levaram à formação
repercussões espaciais dessa enorme mudan-
simultânea do Grupo Europeu de Pesquisas
ça estrutural. O fato de atividades primárias
sobre os Ambientes Inovadores (Gremi), que
estarem forçosamente muito mais presentes
se propunha a entender os processos cole-
nas zonas rurais não significa que os outros
dois tipos sejam necessariamente muito mais
do amplo debate que se seguiu foram eviden-
ciando os limites da noção de “distrito”,
industrial é mais significativo nas regiões
fazendo com que paulatinamente fosse dada
relativamente rurais que nas essencialmente
preferência à noção mais ampla de “sistemas
produtivos locais (SPL)” (“Local Productive
rural que urbano em países nórdicos, como
a Noruega e a Suécia. E os serviços têm quaseo mesmo peso em regiões essencialmente ur-
2. Do “distrito marshalliano” ao localismo
banas e relativamente rurais, sendo extraor-dinariamente importantes nas regiões essen-
neiros estudos italianos7, como evidenciam
das economias desenvolvidas que pode expli-
as revisões críticas publicadas em quatro es-
car o surgimento, no final do século XX, de
pessas coletâneas sobre o assunto8. E os resul-
indícios opostos à chamada “desertificação
tados dessa vasta produção científica ainda
rural” que estariam anunciando um certo
não explicam satisfatoriamente as razões do
“renascimento rural”. Essa hipótese foi con-
cada território, dificultando muito qualquer
pararam as regiões rurais mais dinâmicas às
tentativa de síntese. De qualquer forma,
mais letárgicas ou decadentes. Os resultados
assim que algumas lições gerais sobre os
“distritos” começaram a ser tiradas, foram
determinadas zonas rurais tem causas ainda
desconhecidas, mas que, com certeza, não
possibilidade de que elas pudessem vir a ser
estariam relacionadas a diferenças em suas
aproveitadas em contextos muito diferentes.
No caso italiano, por exemplo, constatou-se
uma fortíssima correlação entre a distri-
tender quais seriam as fontes geradoras do
buição espacial da economia “difusa”, que
maior dinamismo econômico de certas loca-
caracterizava suas províncias mais dinâ-
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micas, e a intensidade das formas familiares
lariam os graus relativos em que o fenômeno
de agricultura (e portanto de razoável distri-
se manifesta. É sabido, entretanto, que ele
buição de renda). Além disso, a organização
entre as regiões de uma mesma nação.
Itália, cuja origem remonta à Idade Média,
Comparando-se extremos, percebe-se que em
certas regiões da Alemanha surgem mais do
boa divisão territorial do trabalho entre
triplo na Itália, na Suécia e no Reino Unido,
articulada da sociedade urbana, e uma rede
chegando a girar em torno do quádruplo na
Em áreas como o Mezzogiorno, histori-
Tudo indica que essas divergências espa-
ciais da criatividade empreendedora corres-
agricultura, não existe a mobilidade e a
pondem ao chamado fenômeno de “clustering”
articulação social que engendram a criação
(formação de “feixes” ou “cachos”). Segundo
de um grande número de flexíveis PMEs.
uma das definições mais aceitas, “cluster” é uma
Também não existe essa organização espa-
concentração geograficamente delimitada de
cial que permite evitar uma fratura entre
negócios independentes que se comunicam,
cidade e campo. Como enfatiza o economista
dialogam e transacionam para partilhar cole-
industrial italiano Gioacchino Garofoli, não
tivamente tanto oportunidades quanto amea-
ças, gerando novos conhecimentos, concor-
ocorrer em qualquer lugar, pois está ligado
rência inovadora, chances de cooperação, ade-
a alguns pré-requisitos da própria formação
quada infra-estrutura, além de freqüentemente
socioeconômica de cada território9.
também atraírem os correspondentes serviços
especializados e outros negócios correlacio-
nados. E os estudos sobre a relação existente
familiar são condições necessárias, elas estão
entre a formação desses feixes e o “empreen-
muito longe de ser suficientes. Para que muitas
dedorismo” acabam sempre por enfatizar os
fatores culturais que às vezes são compactados
criados em regiões não privilegiadas pela
na sedutora noção de “capital social”: um
velha obsessão de “pólos” ou “eixos” urbano-
complexo de instituições, costumes e relações
industriais, também é preciso que elas dispo-
de confiança que geram a “atmosfera” neces-
nham de um mínimo de condições favoráveis
em termos de comunicações e de serviços e,
São muito ilustrativas as conclusões dos
sobretudo, de condições que estimulem o
balanços feitos em paralelo pelo suíço Denis
“empreendedorismo”. Afinal, são os empre-
Maillat e pelo italiano Giacomo Becattini, res-
endedores os principais agentes da mudança
pectivamente fundador do Gremi e principal
econômica, pois são eles que geram, disse-
expoente dos distritólogos12. As abrangentes
minam e aplicam as inovações. Ao procu-
pesquisas empíricas do Gremi levaram Maillat
rarem identificar as potenciais oportunidades
de negócios e assumirem os riscos de suas
(milieux innovateurs) se manifestam em
apostas, eles contribuem tanto para um maior
condições territoriais e produtivas das mais
uso dos recursos disponíveis, quanto para a
diversas: podem ser especializados ou mul-
expansão das fronteiras da atividade econô-
tifuncionais, industriais e turísticos, urbanos
mica. Mesmo que muitos não tenham sucesso,
e rurais, de alta tecnologia ou de tecnologia
é sua existência que faz com que uma socie-
tradicional. Dá para afirmar quais são as
mudanças possíveis e identificar empiri-
camente as que já estão em curso. Mas não se
quais são os determinantes do “empreende-
minado território seja capaz de gerar um
dorismo”, apesar de sua crucial influência
novo modo de organização e de produção.
sobre o crescimento econômico. Sequer existe
acordo sobre os indicadores que melhor reve-
que uma política industrial só pode ser
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sistemática e racional se estiver apoiada num
Isso acontece em todo tipo de localidade,
tableau das relações socioeconômicas “histori-
camente determinadas”, isto é, numa repre-
sentação da trama de sistemas produtivos
pequenos negócios mais ou menos similares.
locais que não isole as relações técnico-econô-
O que as diferencia é a maneira pela qual as
micas das relações socioculturais e institu-
firmas e a população estão envolvidas na
cionais, como faz a matriz input-output. A
divisão do trabalho. Uma regionalização
revisão dos estudos e debates sobre os distri-
funcional da Itália - feita a partir de dados
tos industriais marshallianos acabaram por
censitários de 1981 sobre os fluxos de deslo-
convencê-lo de que os verdadeiros recursos
camento entre residência e trabalho (journey-
críticos de uma economia nacional são os
to-work flows) - permitiu a identificação de
sistemas locais: organismos de formação
lenta e difícil, que constituem um patrimônio
(LLMAs: Local Labour Market Areas), que
a ser reconhecido, conservado e fortificado.
Assim, para superar a ignorância reinante
locais mediante uma análise de suas estru-
sobre a importância dos SPL, Becattini con-
sidera necessária a adoção de uma estratégia
de pesquisa com três linhas de orientação:
foi, infelizmente, distorcida pela divisão
setorial. Sua principal motivação era com-
parar os 61 distritos industriais marshallianos
ciências sociais; b) trabalho de campo que
(como os de Carpi e Prato), enquanto subca-
explore as similaridades e diferenças e não
tegoria das 161 LLMAs de industrialização
leve, a outros três tipos: a) as 76 LLMAs do
pertencem a campos disciplinares diversos;
norte e do centro dominadas por indústrias
c) uma caracterização atenta dos SPL, na
e serviços (como as de Milão e Florença); b)
linha de trabalho explorada por seu colega
palmente pelos serviços (como as de Nápoles
e Palermo); e c) as 96 LLMAs industriais do
superar as distorsões impostas pelo uso das
norte (como as de Lumezzane e Valdagno).
fronteiras de caráter político-administrativo
como unidade espacial de análise. Afinal,
derou “comparáveis”, Sforzi misturou todos
os sistemas locais extra-urbanos baseados no
centes às províncias que formavam a famosa
“Terceira Itália” tinham o dinamismo da
“semi-rurais” ou “rurais”. Pior, essas nove
economia “difusa” presentes em distritos
marshallianos. Além disso, fenômeno idên-
numa mesma gaveta com as “marginais” e
tico também ocorria no noroeste (“Primeira
as “deprimidas” do sul. Assim, 11 tipos de
Itália”). Era portanto necessário encontrar
uma unidade espacial de análise empírica
que não fosse tão distante dos marcos con-
ceituais das análises econômicas de Giacomo
Becattini, Sebastiano Brusco ou Gioacchino
Garofoli e das abordagens sociológicas de
Arnaldo Bagnasco, Carlo Trigilia ou Vittorio
Capecchi. A contribuição de Fabio Sforzi foi
considerado – 1971/81 – a categoria “Resto
justamente a de tomar o “sistema de locali-
da Itália” gerou proporcionalmente mais
dades interligadas” como padrão espacial de
análise do processo de industrialização e do
das outras quatro, embora sempre tenha sido
desenvolvimento socio-econômico em geral.
as divisões setoriais específicas. Ou seja, sem
pretender, essa contribuição de Sforzi é uma
indústria e uma população têm a mesma
excelente ilustração do potencial gerador de
área comum de interação social e econômica.
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, Set. 2002.
locais extra-urbanos e menos especializados.
tempo, precisa ser evitado o risco de serem
Reforça a hipótese de que nesses sistemas
criadas tantas novas noções quantas forem
as situações diferenciadas. Daí a vantagem
podem existir efeitos sinérgicos de geração de
da noção de “sistemas produtivos locais”
empregos comparáveis até aos que se mani-
(“local productive systems”) que acabou, aliás,
festam nessa espécie de vanguarda consti-
entrando no subtítulo da publicação dos anais
tuída pelos distritos industriais marshallianos.
dessa conferência da OCDE sobre “Sistemas
Locais de Pequenas Empresas e Criação de
única e extremamente heterogênea categoria,
Trabalho Local, incluindo até as duas mais
dades econômicas puderam ser atribuídas a
“deprimidas” e as 41 “marginais”, fica
um total de 380 “clusters” em diversas fases
impossível separar “o joio do trigo”.
de amadurecimento, e depois classificados
Esse forte viés “industrialista” foi man-
em apenas quatro tipos de origens: a) recur-
tido na atualização feita com os dados censi-
sos naturais estratégicos, como nos casos de
tários de 1991, apresentada na conferência
Chicago (agroalimentar); b) fontes de novas
sobre “Sistemas Locais de Pequenas Empre-
tecnologias, como o Vale do Silício (micro-
sas e Criação de Emprego”, organizada pela
eletrônica); c) mercados de trabalho espe-
OCDE em junho de 199514. Os sistemas locais
cializado, como Dalton, na Georgia (tapetes)
sem concentração de emprego fabril foram
ou Tupelo, no Mississippi (móveis); e d) opor-
tunidades mercadológicas, como Buffalo, em
“residual”, desta feita denominada “não-
industrial”. O resultado ficou ainda mais
estranho, pois nos anos 1980 houve redução
generalizada do emprego no setor industrial,
qual é a relação existente entre a formação
em flagrante contraste com seu aumento no
desses feixes e o empreendedorismo acaba-
setor terciário, particularmente entre as
empresas de “serviços não-tradicionais”. E
a inevitável conclusão foi, evidentemente, a
rizações de “distritos” ou “SPL”. Como já
de enfatizar que, “no mundo real”, as fron-
foi dito, a única diferença é que esses fatores
teiras entre a indústria e os serviços estão
culturais são muitas vezes compactados na
sedutora noção de “capital social”, relan-
çada com muita perspicácia pelas pesquisas
ruptura com a tendência anterior de atribuir
diferenças de desempenho institucional das
apenas à indústria a glória pelo bom desem-
diversas províncias da Itália. Muitas vezes,
o capital social é entendido como um com-
geográficas. Os participantes preferiram
plexo de instituições, costumes e relações de
chamar a atenção para as ligações entre as
confiança que alavancam a cooperação.
empresas em geral e sua capacidade de criar
Outras vezes, essa expressão “capital social”
redes (“business links and networking”) ou, de
é expressamente evitada e substituída por
sistemas locais de PMEs (“local systems of
processos formadores de atitudes culturais
SMEs”). E própria idéia de “distrito” chegou
a ser completamente “desindustrializada”
na contribuição holandesa sobre o ‘distrito
estruturas institucionais que influenciam o
floricultor de Keukenhof’ (“the flower-growing district of Keukenhof”).
feita por Sebastiano Brusco ao apontar as três
berta da noção marshalliana de “distrito” foi
lições essenciais que devem ser tiradas da
certamente muito enriquecedora, mas que ela
experiência italiana: a) a necessidade de
combinar concorrência com cooperação; b) a
diversidade dos sistemas locais. Ao mesmo
necessidade de combinar conflito com parti-
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cipação; e c) a necessidade de combinar o
trativos nacionais de “planejamento regio-
conhecimento local e prático com o científico.
nal” (ou “ordenamento territorial”), que não
Essas três lições fazem com que a interrogação
podiam se basear em qualquer experiência
central passe a recair, portanto, sobre as
acumulada em países capitalistas. As raras
condições que permitem a emergência de
instituições mais favoráveis a essas três
restritas a uma determinada região, além de
combinações. E a resposta - como não poderia
pertencerem ao contexto inverso, isto é, o da
deixar de ser - é afirmação de que o desen-
contração da economia mundial durante o
volvimento depende essencialmente do papel
entre-guerras. Foi nos anos 1930 que a expe-
catalisador que desempenha um projeto
riência do New Deal com a TVA (TennesseeValley Authority) incentivou o governo
britânico a dar um tratamento diferenciado
evolução do debate internacional desenca-
a suas áreas de mineração muito afetadas
deado pelos estudos sobre os distritos indus-
pela crise, e estimulou o governo italiano a
triais marshallianos, ganhou forte respaldo
científico uma perspectiva contrária à que
miséria do Mezzogiorno. Antes disso houve
imenso desprezo pelo fator espacial, tanto
nas políticas econômicas, quanto na ciência
internacionais que procuram influenciar os
na qual pretendem se inspirar. No capita-
rumos das políticas econômicas nacionais.
lismo anterior a 1929, talvez só possam ser
citadas as propostas dos saint-simonianos e
levar a sério proposições sobre desenvolvi-
mento “endógeno”, desenvolvimento “de
baixo para cima”, e até sobre “ecodesen-
volvimento”15, acabando por admitir que as
mico que se seguiu à “era de ouro”, a partir
iniciativas locais podem ser cruciais para o
dos anos 1970, pressionaram muitos desses
desenvolvimento, pois se tornam importante
fator de competitividade ao fazerem dos terri-
ordenamento) a redefinir sua missão. Uma
tórios ambientes inovadores. Evidentemente,
delas foi a forte vaga de “descentralização”
não demoraram tanto a aparecer as limitações
baseada na idéia de que as distorções que
inerentes às resultantes políticas do “desen-
produziam as disparidades regionais desa-
volvimento local”, o que acabou por estimular
pareceriam por si só, caso as administrações
debates dos mais bizantinos sobre as relações
locais tivessem mais liberdade, poder e meios
entre o “local” e o “global” no processo de
de ação. Outra foi o impulso para uma maior
desenvolvimento, nos quais costumam até a
integração supra-nacional, que se manifestou
se levar a sério ridículas disputas entre o
“glocalismo” e o “lobalismo”.
vem tendo desdobramentos semelhantes emoutras regiões dos continentes americano e
3. Do planejamento regional ao desenvolvimento territorial
evidentes dessa dupla pressão que se deu odeslize semântico para “desenvolvimento
espacial” e, principalmente, para “desenvol-
preocupação de minorar as distorções espa-
ciais fatalmente provocadas pelo crescimen-
As vantagens das palavras “espaço” e
to econômico levou à montagem de estru-
“território” são evidentes: não se restringem
turas administrativas cuja principal missão
ao fenômeno “local”, “regional”, “nacional”
seria a de “planejar” ou “ordenar”o povoa-
ou mesmo “continental”, podendo exprimir
mento (ou ocupação) de territórios nacionais
simultaneamente todas essas dimensões. A
investimentos públicos em infra-estrutura e
“perspectiva” ou “esquema” de “desenvol-
várias formas de incentivos e regulamenta-
vimento espacial”16, quando a OCDE criou
ções sobre os investimentos privados. Surgi-
um novo serviço com a missão de levar seus
ram então vários tipos de arranjos adminis-
países membros a elaborar suas próprias con-
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cepções de “desenvolvimento territorial”17.
Muito mais significativas, entretanto, parecem
é tornar mais coerentes as quatro políticas co-
ser as motivações que levaram ao progressivo
munitárias de “significativo impacto espacial”
uso do substantivo “desenvolvimento” para
que foram substancialmente fortalecidas, em
substituir os fora de moda “planejamento” e
1992, tanto pelo Tratado de Maastricht, como
pelo subseqüente Conselho Europeu reunido
em Edinburgh: a) a agrícola (PAC), reforma-
nisterial “de ordenamento do território” que
da nesse mesmo ano; b) a dos “Fundos Estru-
preparou um projeto de lei de orientação
turais”, ao qual foi juntado o novo “Fundo
“para o desenvolvimento do território”. Tal
de Coesão”; c) a de transportes e comuni-
fato é considerado marco simbólico de uma
cações, agrupadas sob a sigla “TENs” (“Trans-European Networks”); e d) a política ambiental.
tenha resultado, em 4 de fevereiro de 1995,
O serviço de desenvolvimento territorial
da OCDE só foi criado por seu Conselho no
vocábulos (“l’aménagement et le développementdu territoire”). Basicamente porque o ordena-
apresentação formal do projeto pelo Secre-
mento seria algo “consentido, outorgado e
tário Geral. Com o firme apoio da repre-
redistribuitivo”, enquanto o desenvolvimen-
sentação austríaca, ele propôs o agrupamen-
to seria “desejado, partilhado e produtor de
to de quatro unidades até ali dispersas em
riquezas”. Ou ainda, porque se pretende
outras divisões: os grupos especializados em
questões urbanas, desenvolvimento rural e
desenvolvimento regional, mais o programa
política ascendente (desenvolvimento)”18.
de ação e cooperação sobre iniciativas locais
A “perspectiva” européia de desenvol-
de criação de emprego21. Baseou tal proposta
vimento espacial (UE/ESDP) tem dois obje-
em duas justificativas, uma de ordem política
tivos essenciais: aumentar a capacidade com-
petitiva de territórios cuja integração no pro-
a) As zonas urbanas, suburbanas e rurais sãocada vez mais interdependentes e os problemas
cesso concorrencial é inadequada, e limitar
de uma delas também interferem nas outras.
os efeitos negativos de uma concorrência
Por exemplo, os fenômenos de aglomeração e
de congestão urbana são inseparáveis da
debilitação de certas regiões e do êxodo rural. Além disso, os efeitos de proximidade tornam
entre competição e cooperação, de forma que
ainda mais manifesta a necessidade de uma
o conjunto do território europeu possa atingir
abordagem política coordenada, que possa
um nível ótimo de competitividade, refor-
integrar o conjunto dos aspectos do desenvol-
çando, ao mesmo tempo, sua coesão econô-
vimento. Assim, na escala local, os problemasde emprego, de harmonia social, de qualidade
mica e social. Para atingir esses objetivos, os
da vida – para tomar apenas alguns exemplos –
operacionais: a) um sistema policêntrico de
b) O desenvolvimento harmônico do tecido
econômico está no centro dos trabalhos dosgrupos que tratam de assuntos urbanos, locais,
rural; b) uma paridade de acesso à infra-
rurais e regionais. Isso se traduz por ações que
estrutura e ao conhecimento; c) uma gestão
visam encontrar, para uma determinada zona,
um equilíbrio entre o fortalecimento de sua
cultural19. Para tanto, os vetores do desenvol-
capacidade concorrencial e a melhoria da quali-
vimento espacial europeu20 foram triados em
dade de vida de seus habitantes. Atingir esseobjetivo exige a criação de novas formas de
termos de forças, fraquezas, oportunidades
parcerias entre os atores envolvidos, quer eles
e ameaças (“SWOT analysis”) sendo
sejam públicos, privados, nacionais, regionais ou
identificado um conjunto de 13 principais
locais. Estímulo a projetos, iniciativa rural, ação
tendências (3 demográficas, 4 econômicas e
urbana, tudo isso decorre da mesma idéia,segundo a qual as contribuições locais permitem
6 ambientais), destacando-se o fato da econo-
operar mudanças significativas na paisagem
mia e do emprego europeus se tornarem cada
vez mais dependentes das pequenas e médias
posta, três outras delegações - Austrália,
Canadá e Noruega - juntaram-se à da Áustria
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, Set. 2002.
para considerar o novo serviço como “primei-
ra etapa lógica” de um processo que deveria
rior da OCDE a idéia de juntar sob o lema do
permitir à OCDE uma abordagem analítica
“desenvolvimento territorial” seus núcleos
mais horizontal das questões relativas ao
desenvolvimento econômico, social e ecológico
regionais foi, com certeza, mais de um decênio
de seus países membros. Em seguida, as dele-
de experiência com o programa dedicado à
gações da Holanda e da Suíça foram ainda
geração de empregos mediante estímulos ao
mais longe, chegando a propor, inclusive, a
“desenvolvimento local”. Esse programa de
“completa fusão dos órgãos subsidiários dos
ação e cooperação sobre iniciativas locais de
quatro grupos”. Mas tanto entusiasmo esbar-
rou na resistência das delegações do Japão,
“LEED – Local Economic and Employment
da Bélgica e do Reino Unido, e numa certa
Development” - foi criado em 1982, e deu
hesitação por parte dos representantes da
origem a uma vasta rede de intercâmbio que
Irlanda e da Espanha. Muitas dessas reticên-
divulga análises e relatos de experiências
cias eram de ordem orçamentária, mas tam-
concretas por meio de “notebooks” e de uma
bém foi mencionado o temor de que o novo
“newsletter” intitulada Innovation &
serviço viesse a reforçar a concentração da
Employment, que chegou a ser editada em
econômico e industrial em detrimento dos
desse programa decidiu fazer uma série de
cultura”23. Como tais “dúvidas” não foram
avaliações nacionais das políticas e práticas
completamente superadas, elas voltaram a se
de desenvolvimento local. O foco desses estu-
dos anuais deveria estar justamente nas rela-
nada disso alterou a natureza do “TDS”, que
ções entre as políticas nacionais, regionais e
continua a ser apresentado da seguinte forma:
locais, de tal forma que se pudesse discutir a
Fatores espaciais são elementos importantes na
‘real’ organização da atividade econômica, mas
mento local de cada país. O primeiro a se
continuam fora do escopo dos atuais macro
candidatar a esse tipo de avaliação foi o
referenciais. Esses dois mundos – o dos gestores
governo austríaco, numa iniciativa conjunta
da política macroeconômica e o das localidades,cidades e regiões – continuam bem indepen-
de sua ‘Chancelaria Federal’ e do seu ‘Serviço
de Mercado de Trabalho’. Além de quatro
questões consideradas ‘locais’ têm revelado um
caráter cada vez mais ‘transfronteiriço’. De resto,
distorções econômicas e sociais continuam aafetar a alocação espacial de recursos e de renda
Canadá), o grupo de trabalho encarregado
– assim como o papel do setor público – não
dessa avaliação contou com a colaboração
de dois especialistas convidados: Michael
abordagens mais gerais sobre o crescimento e o
ajuste estrutural. Contra esse tipo de herança, a OCDE reforçou
assessor especial do Ministro da Economia
seu trabalho sobre as relações entre políticas
governamentais de caráter urbano, rural,
regional e local, mediante o agrupamento dessas
Áustria foi drasticamente atingida pela crise
atividades em um único Serviço de Desenvol-
do padrão de crescimento da “era de ouro”,
vimento Territorial. Uma preocupação central éentender como as políticas desses quatro núcleos
ela foi um dos primeiros países a experimen-
relacionados ao espaço podem efetivamente
tar as opções de “reestruturação industrial”
contribuir para reformas estruturais e funcio-
discutidas no âmbito das organizações inter-
namento das forças de mercado, e particu-
larmente para a capacidade de geração deempregos produtivos, de adequado aprovei-
acabaram convergindo para a idéia central
tamento de recursos humanos, de melhoria do
de promover o “desenvolvimento local”. Isso
padrão e da qualidade de vida, de resposta à
teve um claro impacto no “Conceito Aus-
tríaco de Planejamento Regional”, reelabo-
prevenção contra a marginalidade social e a
rado a cada dez anos por uma “Conferência
degradação ambiental; enfim, todos os com-ponentes indispensáveis ao bom funcionamento
sobre Planejamento e Políticas Regionais
das localidades, cidades e regiões24.
(ÖROK)”, presidida pelo chanceler federal
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, Set. 2002.
Espanha. E as disparidades regionais dentro
nadores das Länder e representantes das
de cada país eram ainda mais importantes.
comunidades locais. A principal diferença
entre os “conceitos” de 1981 e de 1991 foi
tração de que o sucesso e o insucesso em criar
que o último não visa diretamente a redução
das diferenças regionais de padrão de vida,
não estão estritamente correlacionados aos
nem a criação/atração de novas empresas
em áreas menos favorecidas mediante incen-
ruralidade não é deficiência, e também não
tivos financeiros. O texto de 1991 procurou,
é sinônimo de declínio; tanto quanto urbani-
ao contrário, definir com clareza o potencial
dade e aglomeração não garantem automa-
ticamente um próspero desenvolvimento.
“endógeno”, dando origem, no âmbito
federal, ao “Programa para o Desenvolvi-
entre áreas rurais e urbanas, tornando impli-
Ao tirar as lições da experiência aus-
rural, o REMI preferiu se dedicar a compa-
tríaca de “ajustamento local à reestruturação
rações entre regiões mais e menos dinâmicas.
industrial”, o relatório do grupo avaliador
Principalmente porque as regiões rurais mais
da OCDE fez uma leve crítica a essa evo-
dinâmicas podem ser melhor referência para
lução, enfatizando que o grande perigo da
similares mais atrasadas do que o seriam as
urbanas. E foi a partir desse tipo de compa-
simples agregação de programas, sem uma
rações realizadas pelo REMI que o programa
estratégia que de fato possa mobilizar o
“a estratégia de desenvolvimento local é
questões rurais feitos durante os anos 1980
era a necessidade de melhorar sua gestão
âmbito de uma estratégia maior baseada no
pelos aparelhos de administração governa-
conceito de ‘desenvolvimento territorial’ – a
mentais. Como a elaboração de políticas para
combinação de políticas governamentais des-
rogêneo conjunto de entidades públicas, os
principais desafios convergiam sistematica-
para que a OCDE decidisse criar um serviço
trabalho cooperativo. Não é de se estranhar,
de desenvolvimento territorial foi quase um
decênio de experiência com o programa de
tenha sido “parceria”. Nessa linha, diversas
atividades que juntaram responsáveis nacio-
Projeto sobre Indicadores de Emprego Rural
nais pelas políticas de desenvolvimento rural
(“REMI Project”). Foi ele que deixou claro o
quanto era precário o entendimento da im-
ções cronológicas de indicadores de emprego
bricação dos problemas rurais com as mais
ser instrutivas as comparações espaciais em
bientais e políticas. Isto é, a necessidade de
uma “uma abordagem mais global, e inclusive
estatística da OCDE ser uma das que melhor
territorial, da política rural”26.
permite comparações entre países – isto é,
territórios - até o início dos anos 1990 essa
políticas agrícolas estavam em curso em
organização só dava atenção às séries tem-
muitos países membros e, principalmente, na
porais de cada país membro. No entanto, as
Comunidade Européia. Tudo isso certamen-
diferenças cronológicas das taxas de desem-
te ajudou para que, em 1991, o Conselho da
prego, por exemplo, são muito menos signi-
OCDE resolvesse criar um programa voltado
ficativas que as disparidades entre os países
especificamente para o fenômeno rural, tendo
membros. Em 1995, essas taxas variavam de
como primeira tarefa a elaboração de um
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, Set. 2002.
provocativo título “Que futuro para os nossos
culturais, do que da exploração dos velhos
campos?” (“What Future for Our Countryside?”,
trunfos baseados na exploração da fertilida-
“Quel avenir pour nos campagnes?”). E talvez
de dos solos, ou no aproveitamento de van-
tenha sido justamente por mostrar a dificul-
tagens de localização industrial. E quando
dade de se encontrar respostas convincentes
se consegue estabelecer uma sinergia entre
a essa grande interrogação, que esse trabalho
preservação de “amenidades” e dinamismo
tenha contribuído, não só para a criação do
econômico – como acontece, por exemplo,
Serviço de Desenvolvimento Territorial, mas,
no caso da trilha de fronteiras suíça, ou no
sobretudo, para que se investisse em ‘estudos
dos parques naturais franceses – fica simples-
de caso’ e ‘oficinas de trabalho’ que pudessem
mente impossível dizer se a atividade é
trazer novos “insights”, mesmo que não
“primária”, “secundária” ou “terciária”.
trouxessem conclusões generalizáveis.
OCDE devem dar alta prioridade à capita-
foi tão fecunda que torna impossível qual-
lização do valor das “amenidades rurais” foi
quer pretensão a uma síntese que lhe faça
a principal conclusão da oficina de trabalho
justiça. Mas há três pontos que não podem
realizada em setembro de 1997 no Japão, na
deixar de ser registrados: a) a matriz dos
principais bens e serviços que aproveitam as
referentes a doze países (Austrália, Áustria,
vantagens competitivas do meio rural (que
Bélgica, Canadá, Finlândia, França, Grécia,
resultou de investigações sobre a equivocada
noção de “nichos de mercado”); b) as razões
Suíça). E as resultantes recomendações
da lentidão do processo de aproveitamento
sugerem a adoção de dois tipos básicos de
dessas vantagens competitivas; e, sobretudo,
políticas: a) políticas que estimulem a direta
c) a crescente evidência de que estão nos pa-
coordenação entre os provedores e os benefi-
trimônios natural e cultural (“rural amenities”
ciários das amenidades (apoio à ação coleti-
ou “aménités rurales”) as principais vanta-
va e à valorização comercial); b) políticas que
gens competitivas dos espaços rurais.
(regulamentações e incentivos financeiros).27
fase recaiu sobre os bens e serviços que usamrecursos mais freqüentes nas áreas rurais. Em
Conclusões
seguida fez-se uma classificação segundotrês características – recursos naturais,
heranças culturais e tradicionais, e recursos
nos três tópicos anteriores impede que dela
ambientais – e dois critérios econômicos –
se tirem verdadeiras conclusões (isto é,
bens e serviços – da qual resultou uma
sínteses de confirmações ou refutações de
“matriz” com seis janelas que ilustram muito
hipóteses). Mas permite que sejam formu-
bem a diversidade da economia rural. Depois
ladas dez proposições em torno das quais
foi feita uma lista dos oito obstáculos que mais
deve se organizar o debate que permitirá o
avanço das pesquisas sobre a face territorial
mais rápido desses recursos, com ênfase
especial para a distância que existe entre a
cidade e campo nos termos em que se desen-
“agrárias” e a própria natureza das moder-
rola o debate sociológico, isto é, de “dicotomia
x continuum”. O aumento da densidade
demográfica nas zonas “cinzentas” - que
janelas da matriz da diversidade rural é que
deixaram de ser propriamente rurais e que
todas elas estão umbilicalmente ligadas ao
não chegam a ser propriamente urbanas - não
significa que esteja desaparecendo a contra-
dição material e histórica entre o fenômeno
seja, em sua etapa mais avançada, o desen-
econômicos e ecológicos, aprofundam-se, em
possíveis maneiras de tornar rentável a
vez de diluírem-se, as diferenças entre esses
preservação de peculiaridades naturais e
dois modos de relacionamento da sociedade
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, Set. 2002.
Européia), tende a substituir a tradicional
expressão “desenvolvimento regional”, pois
dência de “ressurreição rural” à velha tese
da “desertificação rural”. Em termos estri-
desenvolvimento local, regional, nacional, e
tamente demográficos, há áreas rurais que
até continental (no caso da Europa).
continuam se esvaziando e outras que se recu-
f) Mas essa retórica do “DT” também
peram. Mas as possibilidades de dinamismo
deve muito à evolução paralela dos debates
econômico dessas áreas não estão necessa-
da “economia industrial”, da “economia
riamente correlacionadas às tendências demo-
rural” e da “economia regional e urbana”.
gráficas, uma vez que as mais promissoras
Nos últimos quinze anos houve nessas três
vantagens competitivas das áreas rurais são
disciplinas uma forte valorização da escala
“amenidades” que dependem de heranças
“local”, logo seguida (ou acompanhada) da
naturais e culturais, podendo ser até melhor
necessidade óbvia e imperiosa de não isolá-
aproveitadas por movimentos apenas tempo-
la das escalas superiores que vão até a
melhor que a do “desenvolvimento local”,
muito lento porque depende dos inúmeros e
pouco conhecidos determinantes do “empre-
‘teoria & prática’ que venha, de fato, superar
endedorismo”. A ênfase no caráter endógeno
as divisões setoriais (primário, secundário e
de tais determinantes - que está embutida
terciário) e também permitir um tratamento
no uso cada vez mais freqüente da noção de
“capital social” - não deve, todavia, levar a
pensar que possam ser menos interessantes
os determinantes exógenos que resultam da
público sempre revelam um sentimento cole-
importância que o conjunto da sociedade dá
tivo de que noções utilizadas até determi-
ao patrimônio natural e cultural de seus
nado momento não mais dão conta da per-
cepção que se tem dos problemas enfren-
tados, nem exprimem direito o que se gosta-
ria ou pretenderia fazer em seguida. Ou seja,
ampla, a regionalização internacional e a
são mudanças que refletem as hesitações
“mundialização” ou “globalização” – têm
intrínsecas ao enunciado de novos projetos
provocado uma heterogênea evolução das
sociais, e, por isso mesmo, as novas noções
políticas governamentais. A crescente expo-
sição ao comércio internacional e à acele-
público costumam ser sempre muito impre-
ração do progresso tecnológico exigem mu-
i) Não há, portanto, muito interesse em
obstáculos ao crescimento e ajudem a apro-
saber qual pode ser a utilidade de cada um
veitar novas oportunidades. Muitas dessas
dos inúmeros adjetivos que têm sido acres-
mudanças estruturais são de caráter sub-
centados ao substantivo “desenvolvimento’
nacional, mostrando a pertinência de uma
conforme evolui o debate público sobre essa
abordagem territorial, para a qual os quadros
grande utopia dos últimos cinqüenta anos.
dirigentes estão, contudo, despreparados.
Por isso, em vez de comparar o valor relativo
Sabem que o principal desafio é identificar
das inúmeras maneiras pelas quais se pode
os fatores que permitiriam ampliar as opor-
subjetivamente qualificar o desenvolvimento
tunidades de desenvolvimento das regiões
como objetivo central das políticas públicas,
menos dinâmicas, mas também não ignoram
o que interessa é discutir a real relevância da
que a resposta depende de uma explicação
dimensão territorial do processo objetivo de
ainda muito precária sobre as razões desse
um indiscutível progresso retórico, a noção
noção “DT: desenvolvimento territorial” (ou
“desenvolvimento territorial” traz algo de
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 5, Set. 2002.
volvimento das regiões sem dinamismo eco-
13 Cf. Becattini e Rullani (1995, p. 188-190). 14
das de periféricas ou atrasadas. Por exemplo,
cf. Friedmann e Weaver (1979); Sachs (1980); Stöhr(1981).
16 Chamada de “European Spatial Development
região como o sul da Itália (“Segunda Itália”)
Perspective (ESDP)” ou “Schéma de Développement
romper com a estagnação, mesmo que não
de l’Espace Communautaire (SDEC)”.
possa deixar de ser periférica e atrasada em
O “Territorial Development Service” (TDS) foi criado
comparações com as regiões mais dinâmicas.
Não apenas porque a abordagem territorial
20 Sendo 5 relativas às estruturas urbanas; 2 relativas à
mudança do papel das áreas rurais; 7 relativas às mu-
difícil avaliar se as transformações positivas
danças nos transportes, comunicações e conheci-
que estão ocorrendo no Mezzogiorno28
mento; e 4 relativas à contínua pressão sobre asheranças natural e cultural.
poderão vir a ser, de fato, favorecidas por
21 Esse programa, cuja sigla original era “ILE”, passou
depois a ser denominado “LEED: Local Economic andEmployment Development”.
Este texto, que é parte do primeiro relatório de andamento
22 Tradução livre de trechos do parágrafo 11 da “Nota
da pesquisa que o autor está realizando na Europa comauxílio da FAPESP, já incorpora alguns dos comentários
do Secretário Geral” C(93)83, de 29/06/93.
gentilmente enviados pelos colegas Ademir Cazella, Eduardo
Estas observações resultam de uma leitura do processo
Ehlers, Ignacy Sachs, e Ricardo Abramovay.
verbal da reunião do Conselho, um documento“reservado” da OCDE.
Tradução livre do tópico “Territorial Development”da brochura The OECD in the 1990s, p. 40-41.
1 Conforme tipologia da OCDE baseada na proporção
da população regional que vive em localidades rurais,
isto é, com menos de 150 hab/km2. ‘Essencialmente
Rurais’ são as regiões nas quais mais de 50% das
28 Fala-se mesmo de uma “grande svolta”. Ver a propósito
localidades são rurais; ‘Relativamente Rurais’ são as
regiões nas quais entre 15 e 50% das localidades sãorurais; ‘Essencialmente Urbanas’ são as regiões nas
Referências bibliográficas
quais menos de 15% das localidades são rurais. Ver apropósito Abramovay (1999a).
ABDELMALKI, Lashen; Claude Courlet (eds.). Les
2 Um excelente discussão desse problema está em
Nouvelles Logiques du Développement. Paris, L’Harmattan,
3 Ver sobre este assunto o interessante artigo de
ABRAMOVAY, Ricardo. Do setor ao território: funções
e medidas da ruralidade no desenvolvimento
4 “It is impossible for a rural area to develop without
contemporâneo. Relatório de Pesquisa IPEA, (BRA/97/
automatically becoming non-rural” (Saraceno, 1994,
_____. O capital social dos territórios: repensando o de-
senvolvimento rural. IV Encontro da Sociedade Brasileira
Parafraseando Jean Rostand, vale lembrar que é muito
de Economia Política, Porto Alegre, 01-04/06/99.
mais fácil se entender com quem fala outra língua doque se entender com quem dá outros sentidos às
BAGNASCO, Arnaldo; TRIGILIA , Carlo (dir.). Società ePolitica nelle Aree di Piccola Impresa, Venezia, Arsenale
7 Realizados desde o final dos anos 1970 pelos
economistas Giacomo Becattini, Gioacchino Garofoli,
BECATTINI, Giacomo. Dal ‘settore industriale’ al
Sebastiano Brusco e Fabio Sforzi e pelos sociólogos
‘distretto industriale’. Alcune considerazioni sull’unità
Arnaldo Bagnasco, Carlo Trigilia e Vittorio Capecchi.
d’indagine dell’ economia industriale, L’industria. Rivista
8 Benko e Lipietz (1992); Rallet e Torre (1995); Abdelmalki
di Economia e Politica Industriale, n. 1, 1979.
e Courlet (1996); e Pecqueur (1996).
BECATTINI, Giacomo; RULLANI, Enzo. Système local
9 Cf. Garofoli (1996, p. 370). Ou seja, deve ser impossível
et marché global. Le district industriel. In: Alain Rallet;
a ocorrência dessa economia “difusa” em vastas áreas
André Torre (coord.). Économie Industrielle et Économie
do território brasileiro, embora ela seja não só possível,
Spatiale, Paris, Economica, p. 171-190, 1995.
como muito provável, no norte gaúcho, em SantaCatarina, no sudoeste do Paraná, em algumas
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mesorregiões do Sudeste e do Nordeste, e até em
Gagnent; Districts et réseaux: les nouveaux paradigmes
certas microrregiões do Centro-Oeste e do Norte.
de la géographie économique, Paris, PUF, 1992.
BERTRAND, Georges. Pour une histoire écologique de
11 Sobre a noção de “capital social”, ver Abramovay
la France rurale. In: Georges Duby; Armand Wallon
(dir.). Histoire de la France Rurale, Paris, Éditions du Seuil,
12 Cf. Maillat (1995) e Becattini e Rullani (1995).
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