Participação brasileira nas escavações em segeda.doc

Participação brasileira nas escavações em Segeda, campanha 2003
Patricia PRATA
Rafael DE ABREU E SOUZA
Fabio HUNGARO KARAM
Resumo: Propomos, neste artigo, apresentar os resultados da participação dos três estudantes
brasileiros na campanha de escavação em Segeda, no ano de 2003. Primeiramente, discorremos na introdução sobre como foram realizados os contatos com as universidades espanholas e o processo de seleção dos candidatos. Em seguida, no item II, apresentamos sucintamente a História da antiga capital celtibérica, denominada Segeda; no item III, um breve histórico das atividades arqueológicas realizadas anteriormente nesse sítio. No item IV, explicitamos a metodologia utilizada na escavação, bem como descrevemos as atividades realizadas e as descobertas feitas durante a campanha de 2003. Por fim, na conclusão, apresentamos um balanço da experiência obtida e das contribuições resultantes do intercâmbio Resumen: Proponemos, en este artículo, presentar los resultados de la participación de tres
estudiantes brasileños en la campaña de excavación en Segeda, en el año de 2003. Primeramente, discurrimos en la introducción sobre como fueron realizados los contactos con las universidades españolas y el proceso de selección de los candidatos. Enseguida, en la parte II, presentamos sucintamente la Historia de la antigua capital celtibérica, llamada Segeda; en la parte III, un breve histórico de las actividades arqueológicas realizadas anteriormente en el yacimiento. En la parte IV, explicitamos la metodología utilizada en la excavación y describimos las actividades realizadas y los hallazgos encontrados durante la campaña de 2003. Finalmente, en la conclusión, presentamos un balance de las experiencias obtenidas y contribuciones resultant es del intercambio entre Brasil y España. I. Introdução:
A oportunidade de participar na escavação arqueológica do sítio de Segeda I foi conseguida graças à colaboração existente entre o Núcleo de Estudo Estratégicos (NEE) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP - Projeto “Abastecimento Militar Romano durante o Principado”, apoio FAPESP e CNPq) e a Universidad Complutense de Madrid. Os candidatos selecionados foram enviados ao sítio de Segeda, por meio de contatos feitos pela professora Mestre Ana Piñon e pelo professor Doutor Gonzalo Zapatero, ambos da Universidad Complutense de Madrid, com o professor Doutor Francisco Burillo Mozota da Facultad de Humanidades y Ciencias Sociales de Teruel e da Universidad de Zaragoza. Os três estudantes brasileiros foram selecionados dentre mais de quarenta candidatos, de diferentes graus de titulação (bachalerandos, mestrandos e doutorandos) e de diversos institutos e universidades do país (UNICAMP, USP, UFPR, entre outras). A primeira etapa da seleção foi realizada por meio de exame de curriculum. Após o exame dos curricula, foram chamados para entrevista vinte e seis candidatos e, como resultado final, foram selecionados três titulares (Patricia Prata, doutoranda e bolsista FAPESP, Fabio Hungaro Karam, graduando e bolsista de Iniciação Científica do CNPQ, e Rafael de Abreu e Souza, também graduando e bolsista de Iniciação Científica do CNPQ) e três suplentes (os Antes de narrar as atividades arqueológicas em Segeda no ano de 2003 e, conseqüentemente, seus achados, faz-se necessário relatar um pouco da História dessa antiga cidade celtibérica que desapareceu no século I a. C., assim como a descoberta de tal sítio e as campanhas anteriores. Desse modo, no item seguinte, narramos de forma sucinta a História da antiga Segeda e, no item III, relatamos brevemente as buscas pela sua localização, bem como as atividades arqueológicas realizadas anteriormente nesse sítio. Somente então, no item IV, explicitamos a metodologia utilizada durante a campanha de 2003, bem como descrevemos suas atividades e descobertas. II. A História da Antiga Segeda
Segeda, ou mais precisamente Sekaiza , denominação alcunhada e conservada nas moedas da própria cidade, é o nome de uma antiga cidade celtibérica que no ano de 153 a.C. foi derrubada pelos romanos. A existência dessa cidade é sabida graças à menção de seu nome em textos antigos que fazem referência à guerra iniciada por Roma contra ela em 154 a.C. A origem etimológica de tal topônimo, segundo Burillo (1999, 3), é celta e seu significado estaria próximo do conceito de “poderosa”. Localizava-se próxima a Numância, na região da atual cidade de Calatayud, na província de Aragon, mais Todavia, o fato de Segeda ter sido combatida por Roma não lhe proporciona, a princípio, o mérito de ser redescoberta e estudada, se não fosse a importância que obteve na Antigüidade dos povos da Ibéria e de uma forma geral no mundo ocidental. As moedas encontradas mostram a importância que alcançou, uma vez que foi a primeira cidade celtibérica a começar a alcunhá-las2. Recentes investigações arqueológicas indicam, ainda, a chegada de produtos precedentes da Itália, como ânforas que transportavam vinho e recipientes para bebê-lo, o que demonstra que essa cidade possuía uma ligação Todo esse desenvolvimento, e um contexto ainda desconhecido, fez com que Segeda praticamente declarasse guerra contra Roma em 154 a. C. A cidade celtibérica, nesse ano, resolveu desobedecer o pacto imposto por Semprônio Graco em 179 a. C, o que resultou em conflitos armados entre itálicos e ibéricos3. Os acontecimentos de 154-153 estão narrados em detalhes na História de Roma de Apiano de Alexandria. Esse texto é o que mais traz informações acerca da guerra entre Segeda e Roma. Vejamos os parágrafos relativos a essa guerra: 44. “No muchos años después otra guerra se suscitó en Iberia, penosa esta vez a causa de este motivo. Segeda es una ciudad de los celtíberos, de los llamados belos, grande y poderosa, y había sido inscrita en los pactos de 1 Todos os mapas utilizados neste item II, foram retirados de Burillo, 1999. 2 De acordo com Burillo (1999, 4), as primeiras moedas foram alcunhadas entre 170 e 154 a. C. Eram asses , unidades de bronze de vários valores, provavelmente utilizadas pelo governo local para realizar certos pagamentos de obras públicas e para arrecadar impostos dos cidadãos, ou denários, moedas de prata destinadas a pagar os tributos a Roma. 3 A iminência da guerra contra Segeda fez com que Roma adiantasse a data das eleições dos cônsules que aconteciam dia 15 de março para 1 de janeiro, o que mudou a data de início de nosso calendário, a qual vigora hodiernamente. Sempronio Graco. Esta obligó a las ciudades más pequeñas a incluirse en sus límites y se rodeó con una muralla de hasta cuarenta estadios en su derredor y forzó a ello a los titos, otra tribu limítrofe. Pero cuando el Senado se informó de ello les prohibió construir la muralla, les exigió los tributos establecidos en tiempos de Graco y les ordenó sumarse en campaña a los romanos; pues efectivamente esto estipulaban los pactos de Graco. Por su parte, ellos replicaron por lo que atañe a la muralla que por parte de Graco se les había prohibido a los celtíberos edificar ciudades, no fortificar las ya existentes; con respecto a los tributos y a los contingentes auxiliares, dijeron que habían sido dispensados por parte de los propios romanos después de Graco. Y en realidad estaban dispensados, pero el Senado concede tales prerrogativas añadiendo siempre que tendrán validez hasta que el propio Senado y el pueblo lo estimen 45. Así pues, se envió contra ellos como general a Nobilio con un ejército no inferior en mucho a los treinta mil hombres; cuando los de Segeda supieron que éste se aproximaba hacia ellos, sin haber concluido la muralla huyeron hacia los arévacos junto con sus hijos y sus mujeres y apelaron para que los arévacos los acogieran. Y ellos les acogen y nombran a general un tal Caro, de entre los propio de Segeda, que era considerado un hombre belicoso. Y al tercer día después de la elección, situando en emboscada a veinte mil infantes y cinco mil jinetes, éste atacó a los romanos en un bosque mientras lo estaban atravesando y, aunque la batalla estuvo igualada durante largo tiempo, consiguió una brillante victoria y aniquiló a seis mil ciudadanos romanos; una tan grande desdicha aconteció a la ciudad. Pero como tras la victoria tuvo lugar una persecución desordenada, la caballería romana que custodiaba los bagajes les atacó a la carrera y dieron muerte al propio Caro a pesar de que sobresalía por su valor y a otros de su entorno, no inferiores en número también éstos a los seis mil, hasta que la noche con su llegada separó a los contendientes. Y esto aconteció en el tiempo en que los romanos celebran la fiesta de Hefesto, por lo que nadie de forma voluntaria iniciaría un combate en ese día a partir de [Trad.: Francisco Javier Gómez Espelosín, 1993, pp. 77-78]4 A vitória do exército liderado por Caro se deu em 23 de agosto de 153 a.C., dia de Vulcano (Hefesto), o deus do fogo e da forja. Com a derrota do exército celtibérico, iniciou-se uma série de enfrentamentos que culminaram com a tomada de Numância em 133 a.C. Após a destruição de Segeda e a conquista da Celtibéria, iniciou-se nesse território um período de paz. Segeda foi reconstruída pelos romanos, mas diferentemente do costume desse povo do Lácio, foi reerguida em um território próximo ao 4 Utilizamos a tradução para o espanhol dos parágrafos de Apiano, por não termos encontrado uma tradução para a língua portuguesa. local de origem e não em cima dos escombros da antiga cidade, mais especificamente, na parte denominada Durón de Belmonte e Gracián. De acordo com Burillo (1999, 11), as fontes escritas nada falam a respeito dessa nova cidade. No entanto, conhece-se sua importância tanto pela tamanho do sítio arqueológico, quanto pelo fato de essa ter continuado a alcunhar moedas com o nome de Sekaiza , o que indica a manutenção da política da cidade anterior e o regresso de seus habitantes. Como os povos cetibéricos se romanizaram, acabaram por tomar partido nas guerras civis que ocorreram em Roma no século I a.C. Segeda, nos anos setenta, ficou do lado de Sertório em seu enfrentamento contra Pompeu, sendo talvez isso a causa da destruição total dessa cidade e do definitivo abandono de seus habitantes. Como vimos, Segeda foi uma cidade muito importante na Antigüidade dos povos celtibéricos. O fato de alcunhar moedas para Roma, de ter tido a coragem de enfrentar o Império, bem como o fato de ter sido reconstruída por esse, evidenciam tal importância. Como podemos enumerar dois momentos na história dessa cidade (antes de ter sido atacada pelos romanos e após sua reconstrução), costuma-se chamar Segeda I, o sítio arqueológico que se situa em Poyo de Mara e Segeda II, o sítio de Durón de Belmonte e Gracián. Também podemos encontrar o acampamento militar dos romanos, erguido durante a III. O Sítio Arqueológico de Segeda I – breve histórico:
Como a campanha de escavação de que participamos compreendeu somente o sítio arqueológico de Segeda I, vamos nos centrar em relatar brevemente a história das escavações ocorridas nele, narrando desde a primeira campanha, em 1998, até a anterior à nossa, em 2001 (a escavação de 2003 será contada no item IV). No entanto, apresentaremos antes um pequeno histórico de como se deu a descoberta da localização exata dos sítios arqueológicos de Segeda I e II. A primeira proposta de identificação de um sítio arqueológico que compreenderia a cidade de Segeda data do século dezessete, quando Zapata, em 1657, a localiza em Canales de la Sierra (Rioja), a partir de um documento do século XII que identifica esse local como Segeda antiqua civitas deserta (“Segeda, a antiga cidade abandonada”). Essa localização foi aceita pela maioria dos estudiosos, sendo Sánchez Albornoz, em 1929, o último a segui-la. Uma nova orientação sobre sua localização aparece nas interpretações de Geografia Histórica de Schulten5, cuja reflexão, tomando por critérios aqueles desenvolvidos por Cornide, atribui Segeda ao antigo povo dos belos e a situa no alto Jalón. As investigações de Taracena6 em Canales de la Sierra concluem que a localização de Segeda não repousa sobre esse local. Então, desde esse momento, desaparece essa atribuição entre os arqueólogos que passam a situá-la no entorno de Jalón, como é São as prospecções arqueológicas efetuadas por Schulten em Durón de Belmonte8 que primeiro possibilitaram traçar um paralelo entre o símbolo Sekaiza , corrente nas emissões de moedas celtibéricas, com a cidade de Segeda e o sítio arqueológico de Durón. A escavação que realiza, tomada em conjunto 5 Schulten. A, 1914, Numantia I, Munich, apud, Burilho (2001, p. 89). 6 Taracena. B, 1929, Excavaciones en las províncias de Soria y Logroño, Madrid, apud, op. cit., p.89. 7 Bosch Gimpera, 1932, Etnologia de la Península Ibérica, Barcelona fig. 508, apud, op, cit., p. 89. 8 Schulten. A, 1937, Lãs guerras de 154-72 a, de J.C., F.H.ª, IV, Barcelona, apud, op, cit., p.89. com o levantamento topográfico, a qual mostra uma grande extensão amuralhada, ratifica a sua proposta. Mesmo assim, anos depois, as antigas hipóteses sobre a localização de Segeda são retomadas e produzem algumas propostas alternativas que hoje se revelam falhas. Atualmente, a proposta de Burillo e Ostalé9, que se baseia nos resultados obtidos por Schulten em sua escavação e que localiza em Belmonte a segunda fase da cidade e a primeira em Poyo de Mara, tem adquirido cada vez mais credibilidade, a ponto de tornar-se a interpretação dominante na historiografia recente sobre o tema. No entanto, esse fato não exclui a existência de posturas críticas acerca de alguns argumentos que fundamentam essa proposta, de acordo com o próprio Burillo (2001b, p.90). As atuações arqueológicas em Segeda I têm início em 1986, quando Burillo realizou um primeiro estudo do sítio de Poyo de Mara. Os resultados serviram para precisar a cronologia da cidade celtibérica de Segeda e para demonstrar sua extensão. Data de 1998 o projeto no qual se enquadram as atuais atividades arqueológicas. Como afirma Burillo: “Es en un proyecto a largo plazo basado en la investigación de la ciudad estado celtibérica de Segeda, de su origen y desarrollo, del núcleo urbano y del territorio político y económico de ella dependiente”. (Burillo, 2001a, p.416). Também nesse ano de 1998 iniciaram-se atividades, feitas em parceria com o Ayuntamento de Mara, com o objetivo de conscientizar os cidadãos sobre a importância do patrimônio arqueológico de Segeda. Foi ainda realizada uma importante investigação intensiva e sistemática que teve por conseqüência a delimitação espacial dos três sítios arqueológicos relacionados à antiga capital dos Belos: Segeda I, localizada no Poyo de Mara, Segeda II, em Durón de Belmonte e o acampamento militar dos romanos, montado na época da guerra contra os segedenses, nas proximidades de Mara (ver figura 3). Assim, são estes três sítios que passaram a compor a Zona Arqueológica de Na campanha de 1999, foi analisado o processo de deterioração progressiva da Zona Arqueológica de Segeda, o que acabou por demonstrar que os cultivos agrícolas têm sido os principais responsáveis pelo mesmo. Nesses termos, procurou-se desenvolver possíveis medidas de prevenção capazes de controlar e deter o dito processo. Durante o ano de 2000, ocorreu a primeira campanha de escavação arqueológica em Segeda I, centrada em duas amplas áreas, denominadas áreas 1 e 2. Na área 1, que se localiza a 110 m. ao sul da encosta de Mara, foram definidas cerca de 25 unidades estratigráficas e a cultura material descoberta correspondeu uniformemente à época celtibérica, com exceção dos materiais cerâmicos aparecidos nas partes mais baixas, correspondentes ao período do Bronze Médio. Juntamente com os artefatos e com os vestígios materiais descobriu-se um muro, no entanto, não se pôde precisar se ele data da época celtibérica. Já na área 2, localizada a uma altura média na encosta noroeste de Mara, foi encontrado um muro transversal à encosta que dividia dois grandes espaços independentes, subdivididos por muros de tamanhos médios. Também foram identificadas 53 unidades estratigráficas e encontrados materiais arqueológicos, destacados pela sua importância e ausência de paralelos na época celtibérica. Podemos afirmar que o ano de 2001 foi de excepcional importância para a Zona Arqueológica de Segeda, na medida em que ela foi declarada Bem de Interesse Cultural, inserida na categoria de Conjunto 9 Burillo, F. Y Ostalé, M. 1983-84 “Sobre la situación de lãs ciudades de Bibilis y Segeda”, Kalathos 3-4, Teruel pp. 287-309, apud, op. cit., p. 90. de Interesse Cultural. Também ocorreu a legalização da Associação Cultural Centro de Estúdios Celtibéricos de Segeda que, com sede e m Mara, agrupa equipes responsáveis pela manutenção e desenvolvimento das escavações e do projeto. Ademais, o projeto tem à sua disposição um Conselho Científico, formado por destacados especialistas nesse período histórico, e centra suas atividades no trabalho de divulgação, datação, análise e delimitação espacial da cidade celtibérica de Segeda e de seu território. Finalmente, foi aprovado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia o projeto Procesos sociales y económicos en la formación y desarrollo de ciud ad Estado celtibérica de Segeda. IV. A Campanha de Escavação de 2003
O “Projeto Segeda”, segundo o Dossier Segeda I, escrito pelo professor Dr. Francisco Burillo Mozota, arqueólogo chefe da escavação, vem desenvolvendo uma metodologia de registro das evidências
arqueológicas, adaptada a cada ano aos avanços teóricos e tecnológicos. Os critérios básicos que se têm seguido são os que foram propostos no “Seminario de Arqueologia y Etnologia Turolense” e aplicados na década de 80 do século passado no assentame nto celtibérico de “Los Castellares de Herrera de los Navarros” e no do “Bronce Medio de La Hoya Quemada”. Essa metodologia foi atualizada, a partir da proposta estratigráfica do estudioso Harris (Principios de Estratigrafia Arqueológica, Editorial Crítica, Barcelona, 1991). Também se levou em consideração as aplicações e revisões dessa metodologia, principalmente as feitas no âmbito do território catalão.10 A escavação de 2003 teve início em agosto e terminou no final do mês de setembro. Dois sítios foram escavados, os chamados Casa dos Belos e Casa dos Titos. O primeiro dos sítios, a Casa dos Belos, ficava em uma espécie de acrópole, estando, assim, em terreno inclinado. Ali foi encontrada uma construção que se acredita ser uma casa aristocrática, devido às proporções – amplos cômodos (quatro), três andares (embora apenas tenha restado o térreo, já que a destruição da cidade pelos romanos fez com que os pisos superiores desabassem sobre o primeiro ou rolassem para baixo). Do lado direito da casa, encontrou-se o que se imagina ser um forte militar (não se sabe exatamente, mas pode ser de data posterior), devido à sua forma circular, à inexistência de cerâmica e à maior rusticidade das pedras que formam as paredes. Próximo desse, o perfil delineado mostra, através das unidades estratigráficas formadas por linhas inclinadas e um pouco curvas, um buraco, que talvez tenha sido feito pelos romanos
para retirar terra da cidade destruída, para a construção da nova cidade, Segeda II. A casa supostamente aristocrática dispunha, como citado, de quatro cômodos na planta baixa, sendo dois deles maiores. O maior de todos continha vestígios de um forno para cozimento de cerâmica ou ferro (horno), além de um lagar, uma das principais descobertas, com uma boa parte ainda inteira. Esse lagar, feito de gesso, ocupava o primeiro e segundo andares da casa. Nesse depositavam-se as uvas, que
eram pisadas até todo o seu suco cair dentro do lagar, no primeiro piso. Ficava ali até fermentar, quando era então aberta uma passagem para que o vinho escorresse para dois menores compartimentos, onde era
recolhido. Esse lagar é o segundo mais antigo do Vale do Ebro, datando, acredita-se, do século II a.C. No segundo maior cômodo, de forma mais retangular, fora encontrado um forno para cozinhar (hogar), perto do qual encontrou -se um moedor (molino, pedra com tampo plano) de grãos, com o qual maceravam-se os cereais. Uma das paredes onde estava encostado o lagar, a de trás, e a que, aliás, estava quase 10 Trócoli e Sospedra, Sistemes de Resgistre em Arqueologia, Pagès Editors, Lleida, 1992. inteiramente erguida, ainda continha restos da antiga decoração, pintada de branco com um roda-pé, de Muita cerâmica foi encontrada dentro da casa e na parte esquerda do lado de fora (onde também foi achado uma dobradiça de ferro). Não se sabe ainda se essa parte é um outro cômodo, outra casa ou simplesmente o lado de fora da construção. Os principais cacos eram de cerâmica de cor marrom- avermelhada, sem pintura: foram encontradas asas, bordas e fundos. Também foram achados alguns pedaços de ânforas romanas, ou de cerâmica campaniense (feitas na região da Campânia)11, reconhecidas por serem pintadas com um verniz negro de muito boa qualidade (encontraram-se, ainda, cópias de cerâmicas campanienses, porém com um verniz de muito mais baixa qualidade). Foram descobertas poucas cerâmicas decoradas, mas as que foram localizadas continham desenhos geométricos ou amorfos (algumas com figuras zoomórficas estilizadas), em tinta preta ou ocre. Na parte direita, próxima ou dentro do hipotético forte, foram encontrados escassos e pequenos ossos animais; devemos ressaltar que esses ossos poderiam ser resultado de alimentação, bem como peças de um jogo praticado na região (normalmente se utilizavam ossinhos do tornozelo do carneiro). Foram encontrados também muitos adobes12 caídos, de outras construções mais acima do morro ou não. Muitos dos achados, especialmente as cerâmicas e os ossos, estavam fora do lugar de origem, pois na antepenúltima semana de escavações uma chuva torrencial acabou por tirar várias peças do lugar, o que prejudicou um pouco o estudo das disposições espaciais. O segundo sítio, a Casa dos Titos, possui uma construção menor e mais humilde, tendo em vista que algumas das paredes entre os cômodos eram de argila batida, enquanto que na Casa dos Belos eram de pedra13. Como essa casa não foi escavada até o nível do solo original no ano de 2003, não soubemos explicar se as pedras encontradas eram partes de muros caídos, pois estavam muito espalhadas. Ademais ,
a raiz das parreras, também acabou por danificar um pouco os muros e não se sabe se as partes faltantes foram quebradas pelas raízes ou se eram assim mesmo. De qualquer modo, esse sítio se mostrou muito rico em vestígios materiais. Muitos pedaços de carvão, devido ao incêndio empreendido na destruição da cidade pelos romanos, foram encontrados, assim como ossinhos e alguns minerais como a limonita, atestando presença de ferro no local. Foi localizada também uma espátula de osso e, feitos de ferro, uma ponta de lança, uma faca ou adaga pequena e uma pinça para retirada de cerâmica do forno14. De cerâmica, temos copos quase inteiros, uma tampa de um pote, vários fragmentos grandes de robustos recipientes, para armazenamento de vinho, 11 Esse tipo de cerâmica atesta a presença do Exército Romano, que as trazia e utilizava. Vemos, portanto, traços de relações romano-celtibéricas e romanização. 12 Espécie de tijolo, feito de argila e terra, às vezes acrescidos de algumas sementes e restos de plantas, cozidos ao sol. 13 Em geral, o interior das casas era separado por paredes de argila, somente as paredes externas da casa eram de pedra; quando muito, as bases eram de pedra, e o re sto de argila. Daí também a construção da Casa dos Belos se destacar das outras. 14 Como nós participamos somente das duas últimas semanas de escavação em Segeda I no ano de 2003, não estávamos presentes quando encontram na Casa dos Titos a única moeda da campanha deste ano. Era feita de bronze, cunhada com o nome da cidade, escrito em seu respectivo alfabeto celtibérico, e com o desenho de um cavaleiro montado no cavalo, portanto uma arma na mão, símbolo de Segeda I (também eram símbolos da cidade a loba e a leoa (Burillo, 2001b, pp. 87-112). As moedas atestam também o grau de romanização desse povo celtibérico, já que seguiam o modelo iconográfico (uma face com o rosto, a outra com o símbolo da cidade e seu nome) de Numância, cidade poderosa política e economicamente, romanizada desde 133 a.C. cereais, etc., bordas e bases, pedaços de ânforas romanas e cerâmica campaniense, assim como suas cópias hispânicas, além de pequenos cacos não identificáveis. Um pequeno muro de adobe foi encontrado quase no meio de um cômodo e perto dele, num nível mais baixo, o que se supõe ser um muro, ou algo parecido, feito de argila plástica muito lisa e de cor rosa. Na Casa dos Titos também foi encontrado um moedor, perto do que pode ser um forno, e uma fusaiola, um objeto cerâmico que teria função na arte da As informações são ainda muito imprecisas e várias interpretações podem ser dadas a alguns achados, pois as escavações ainda não deram conta de toda a enorme cidade celta de Segeda I, impedindo maiores conclusões. Mesmo assim, não há como negar a importância dos achados para o estudo do Império Romano, sua expansão, os efeitos dessa, suas relações com outros povos, etc. Por exemplo, a presença de ânforas campanienses atestam o comércio com Roma e o conseqüente consumo de seus produtos. Esses aspectos podem nos remeter ao sistema de abastecimento romano das províncias, às e xportações e importações que essas faziam com Roma, ao grau de influência romano, à romanização, ao poder do imperium e a muitos outros pontos. V. Conclusão:
Foi muito produtiva a participação da equipe brasileira na campanha arqueológica de Segeda I no ano de 2003. Foram ensinadas várias técnicas de escavação e os cuidados necessários no manuseio da cultura material, como a extração e a limpeza dos objetos encontrados. Além disso, destacou-se a preocupação da equipe espanhola em ensinar aos estudantes a origem das cerâmicas encontradas (por exemplo, diferenciar as celtibéricas das romanas), assim como os processos de fabricação das mesmas (se Também existiu a possibilidade do confronto de metodologias e teorias distintas e próprias do contexto histórico e geográfico de cada país. Houve uma troca de experiências entre os arqueólogos espanhóis e os estudantes brasileiros. Os brasileiros puderam trabalhar com restos arqueológicos impossíveis de serem encontrados em escavações no Brasil, a cultura material celtibérica e a romana. Os espanhóis, por sua vez, tomaram conhecimento da existência de uma produção acadêmica acerca do patrimônio arqueológico brasileiro, bem como de sua cultura material (como, por exemplo, da cerâmica Além da experiência com o trabalho arqueológico, pôde-se ter acesso ao conhecimento da história dos celtibéricos de um modo geral, e, mais especificamente, de Segeda. Indiretamente, ainda, foi possível ampliar os conhecimentos a respeito do povo romano, pois não se compreende Segeda sem saber Ademais, por meio da participação dos estudantes brasileiros nessa campanha arqueológica, traçou-se um intercâmbio entre o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UNICAMP e o Centro de Estúdios Celtibéricos de Segeda, o que possibilitará o envio de outras pessoas para participarem de escavações futuras nesse sítio arqueológico, consolidando, assim, esse frutífero Finalmente, apresentamos nossos profundos agradecimentos ao apoio institucional espanhol, em especial ao professor Doutor Francisco Burillo Mozota da Facultad de Humanidades y Ciencias Sociales de Teruel e da Universidad de Zaragoza, arqueólogo chefe da escavação, à professora Mestre Ana Piñon e ao professor Doutor Gonzalo Zapatero, ambos da Universidad Complutense de Madrid, por tornarem possível nossa ida, bem como a utilização da biblioteca da Facultad de Historia e Geografía; também aos arqueólogos, restauradores e a todos os colaboradores que compõe o Centro de Estúdios Celtibéricos e a todas os estudantes espanhóis que participaram conosco da campanha de escavação de 2003. Agradecemos, ainda, ao apoio institucional brasileiro, em especial ao professor Doutor Pedro Paulo Funari, ao CNPQ, por financiar com seu programa de bolsas de Iniciação Científica (IC) os estudantes Rafael de Abreu e Souza e Fabio Hungaro Karam, e à FAPESP, por financiar o doutorado da integrante VI. Bibliografia
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