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Nas cidades, os olhos não vêem coisas, mas figuras de coisasque significam outras coisas. Ícones, estátuas, tudo é símbo-lo. Aqui tudo é linguagem, tudo se presta de imediato á des-crição, ao mapeamento. Como é realmente a cidade sob essecarregado invólucro de símbolos, o que contém e o que es-conde, parece impossível saber.
Ao longo da obra de Carlos Drumonnd de Andrade é possível encontrar uma poética do espaço. A leitura das imagens urbanas e rurais na obra do poeta mineirotraça um mapa conceitual e representativo da modernidade e da cidade moderna, emcontraste com a memória do mundo ruralizado e da cidade interiorana. O poeta queaprendeu o “sentimento do mundo”, na pequena Itabira do começo do século XX, écapaz de nos oferecer uma representação imagética de sua experiência citadina, assimcomo a descrição significativa de muitos prédios, que se tornam tema de uma poesiaque canta a modernidade esvaziadora.
Apesar de haver em várias fases de sua escrita, poemas relacionados à temática dos prédios, é preciso destacar-se o fato de que já em “Elegia 1938”, Drummondfalava de um mundo caduco, envelhecido, onde as formas e as ações urbanas eraminválidas, ou sem sentido. O amanhecer de cada dia lembrava a existência da grandemáquina, ou do mundo modernizado, onde a literatura e o telefone o afastavam davida verdadeira. No poema, o poeta diz caminhar entre mortos que conduzem osnegócios do futuro e do espírito, ou seja, o ambiente moderno revela que os homensdestes tempos estão sujeitos a viver uma vida artificial, determinada por um modo devida industrial.
Condenando o homem, ou a si mesmo, ele diz: “Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição, porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha deManhattan.” Sendo uma elegia, um poema que declara sua intenção de ressaltar as-pectos negativos ou tristes, o poeta fala a um mundo destinado à morte, e parece fazer L É G U A & ME I A : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E D I V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 — 73 questão de frisar a culpa do capitalismo diluidor dos velhos valores naquela épocapré-II Guerra Mundial. Manhattan já comportava, naquela época, além da brilhante“Wall Street”, outros monumentos ao poder, como o Empire State Building, emblemade um modo de vida capitalista. Assim, Drummond acaba por conferir sentido àmegalópole e continua, em sua produção posterior, a emprestar significação aos espa-ços contidos em sua visão poética. Odile Marcel (apud PESAVENTO, 1999, p. 13)certifica que “a literatura como representação das formas urbanas, tem o poder meta-fórico de conferir aos lugares um sentido e uma função. É nessa medida que as obrasliterárias, em prosa ou em verso, têm contribuído para a recuperação, identificação,interpretação e a crítica das formas urbanas.” Drummond (1969), espectador atento das mudanças do século XX, tem alguns de seus poemas ligados diretamente à temática da diferença entre o Rio de Janeiro, acidade grande, e a pequena Itabira. É no Rio que ele se sente aprisionado no prédiocomo numa torre, como se pode ver em “Prece de Mineiro no Rio”: Espírito de Minas, me visita,E sobre a confusão desta cidade,Onde voz e buzina se confundem,Lança teu claro raio ordenador.
Conserva em mim ao menos a metadedo que fui de nascença e a vida esgarça:não quero ser um móvel num imóvel(ANDRADE, 1969, p. 230) O poeta se sente envolvido pela mesma profusão babilônica de sons e vozes que T.S Eliot em “The Waste Land”, e sente necessitar de algo que ilumine e ordeneaquele mundo. O poeta se sente “esgarçar,” como um tecido que vai se afinando edesmanchando com o gasto excessivo, assim como a hiperestesia da cidade opulentade Eliot.
Ainda em “O Boi”, de 1967, o poeta mineiro utiliza-se da imagem da cidade fervilhante de sons e movimento, na qual enxerga apenas o “ermo profundo”. A soli-dão, ou o estar só, não depende de estar isolado em um espaço imenso, como um sóboi no pasto. Estar no chamado “espaço aberto” das ruas da cidade é solidão. Ohomem está tão integrado às ruas, ou pertence tanto à paisagem urbana, como o boiao campo. O ambiente, mesmo cheio de sons e movimento, compara-se ao ermo, ouao deserto interior.
74 — LÉ G U A & MEIA : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E DI V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 Ó Solidão do boi no campo,Ó Solidão do homem na rua!Entre carros, trens, telefones,entre gritos, o ermo profundo.
Ó Solidão do boi no campo,Ó milhões sofrendo sem praga!Se há noite ou sol, é indiferente,A escuridão rompe sempre com o dia.
Ó Solidão do boi no campo,Homens torcendo-se calados!A cidade é inexplicávelE as casas não têm sentido algum.
Ó Solidão do boi no campo,O navio fantasma passaem silêncio na rua cheia.
Se uma tempestade de amor caísse!As mãos unidas, a vida salva.
Mas o tempo é firme. O boi é só.
No campo imenso a torre de petróleo.
(ANDRADE, 1969, p. 63) O sofrimento faz parte da cidade inexplicável e da perplexidade de quem tenta entendê-la. Os homens preferem o silêncio, pois sabem que não existe algo que sepossa chamar de “verdade” da cidade. Contorcem-se calados, e não encontram senti-do nas construções. O ônibus carrega almas cansadas, como a barca de Caronte ou osnavios amaldiçoados, condenados a singrar os mares indefinidamente, assim como osônibus metropolitanos que parecem nunca terminar seus itinerários. O poeta não dei-xa de mencionar a esperança ou o possível escape, como no poema anterior, mas serende à cidade. Novamente, aparece no texto, fechando o poema de modo marcante,a torre, símbolo da construção verticalizada, que tomando o lugar do boi no campo,esguicha petróleo e modernidade, modificando a paisagem bucólica e plana e tornan-do-a um símbolo capitalista.
Ainda em “Paredão”, o poeta reafirma sua visão, ao identificar a cidade e as casas como paredes ilimitadas, ou prisões invisíveis.
L É G U A & ME I A : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E D I V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 — 75 Uma cidade toda paredãoParedão em volta das casasEm volta, paredão, das almas.
O paredão dos precipícios.
O paredão familial.
Ruas feitas de paredãoO paredão é a própria ruaOnde passar ou não passarÉ a mesma forma de prisão.
Paredão de umidade e sombra,Sem uma fresta para a vida.
A canivete perfurá-lo,A unha, a dente, a bofetão?Se do outro lado existe apenasOutro, mais outro, paredão?(ANDRADE,1979, p. 83) Imediatamente, sabemos que as ruas são as paredes, e que é impossível não passar por elas, e que estas nos contêm mesmo que nos recusemos a estar nelas. Aprisão é do tamanho do mundo civilizado, ou seja, o que existe é uma construçãoúnica. As casas fazem parte da rede de paredões que chegam até as almas. Os precipí-cios, postados em forma de barreira, indicam um único caminho: a submissão aomodo de vida citadino. As paredes já são familiares, convivemos com elas. São feitasde umidade e de sombra, tantas são as coberturas e paredes sucessivas, sem espaçopara o sol, sem fresta para a vida. Perfurá-las com nossas armas tão fracas, não nostraz nada além de frustração. Mais além, cerca-nos outro paredão, e além deste aindaoutro. O mundo urbano é uma série de paredes labirínticas, sem saída e sem razão,formando longos corredores entre um paredão e outro que surge. Para Calvino, (1999,p. 86) equivale a dizer que a cidade é um espaço em que percursos são traçados entrepontos suspensos no vazio.
Se observarmos atentamente a obra poética de Drummond, veremos que para ele, o céu de pedra mencionado por Calvino existe. O poeta mineiro afirma que “omundo é mesmo de cimento armado” (ANDRADE, 1969, p. 50) sendo que os edifí-cios de que fala e dos quais podemos falar como emblemas da cidade, parecem contermoradores vazios e estarem prestes a desabar. Esta é uma recorrência que merece sernotada na obra do autor, em poemas cujo tema central são prédios e edifícios que 76 — LÉ G U A & MEIA : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E DI V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 resumem a vida urbana. A identificação visceral que o poeta tem com a cidade, assu-mida em “Coração Numeroso”, quando diz: “A cidade sou eu, a cidade sou eu, meuamor”, ganha expressão específica na vida dos prédios que encarnam as dores e alegri-as do habitante urbano.
De acordo com Bachelard (1996), em sua reflexão sobre a casa (ou o prédio) e a alma, a casa é um instrumento de análise para a alma humana, de modo que asimagens da casa estão em nós, assim como nós estamos nelas. Ao mencionar a torreusada por Jung para descrever a profundidade da alma, ele lembra o príncipe desoladode Nerval: Auxiliados por este instrumento, não reencontraremos em nós mesmos, sonhan- do em nossa simples casa, os reconfortos da caverna? E a torre da nossa alma foiarrancada para sempre? Somos nós para todo o sempre, segundo o hemistíquio famo-so, seres da “torre abolida”? Não somente nossas lembranças, mas nossos esquecimen-tos também estão alojados. Nosso inconsciente está alojado. Nossa alma é uma mora-da. (BACHELARD, 1996, p. 20.) Na escrita memorial de Drummond, não é preciso estar no campo para lembrar da Itabira tão rural do começo do século XX. Assim como perduram as lembranças dacidadezinha mineira, na cidade grande, as imagens dos que já morreram também habi-tam os prédios do moderno Rio de Janeiro, onde o elevador é ligado à imagem dopensamento melancólico e convida ao suicídio, como se pode observar em “EdifícioSão Borja”, “Edifício Esplendor”, “Noturno à Janela do Apartamento”, e outros. Parao autor, o medo, importante personagem na convivência humana, é quem faz nascer“edifícios, carcereiros e escritores” (ANDRADE, 1969, p. 81).
Os nomes dos edifícios merecem ser notados como aspectos da vida e do pensamento do poeta, e se destacam ou se erguem à altura da visão, como a sugestãodo esplendor da modernidade desenhada nos projetos de Oscar Niemeyer (“EdifícioEsplendor”). No entanto, os nomes, de fato, longe de emprestarem significado àsconstruções, fazem parte, no dizer de Rikwert (1985, p. 60.), de uma aparência quepassou a prescindir de uma justificação histórica ou de uma relação de antecedentes.
Não há, na modernidade, necessidade de sentido para os nomes dos prédios, portanto.
Em “O Nome”, o poeta se apropria de maneira significativa do nome de um edifício em demolição. Ele segue a destruição em suas partes e se pergunta: “Ficaráem mim o nome que é meu? Ficarei para preservá-lo?” A identidade profunda com onome faz o poeta sugerir que ele próprio deveria existir para sempre, para conservar L É G U A & ME I A : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E D I V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 — 77 “o nome.” Deduz-se que talvez o nome do edifício fosse o nome do poeta, ou o nomede sua cidade, como se pode supor pela leitura do poema “Canção Imobiliária”. Oescritor observa a destruição de um lugar onde não morou, mas que pertence a ele,assim como o nome do prédio. Ao ruírem as paredes, criam-se vazios, buracos, mas onome perdura no meio do nada.
Estão demolindoo edifício em que não morei.
Tinha um nomeSomente meu.
Meu, de mais ninguémo edifícioNão era meu Rápido passandoPor sua fachadaLia o nomeQue era e é meu.
Cai o teto, ruem paredesinternas.
Continua o nomeVibrando entre janelasBuracos.
Sigo a destruiçãode meu edifícioamanhã o nomeletra por letrase desletrará(.)Amanhã o galoCantará o fimdo que no edifícioE numa pessoacabe em um nomee é mais do que um nome.
(ANDRADE, 1979, p. 442) 78 — LÉ G U A & MEIA : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E DI V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 Assim, pode-se verificar a posição dual, ou ambígua deste prédio que, em ruí- nas, se situa entre dia e noite, entre o verbo e o concreto, entre vida e morte. O“desletramento” operado pela demolição ameaça a existência do nome no mundo daspalavras. No fim do poema, temos o fim do nome e do edifício. A marca do fim estáno encerramento do ciclo da noite. O amanhã que o galo anunciará, virá trazer, comona traição de Pedro, a precariedade de uma ligação, ou a revelação de uma ligaçãoilusória. Nome e pessoa, identidade de quem é também construtor dos edifícios damodernidade sem o desejar, se desmancharão, deixando a dúvida: a substância, avida, contida no edifício e no nome, é mais do que o concreto que se desmancha?Permanece ou se esvai com os tijolos? O conflito do nome se apresenta ainda em “Canção Imobiliária” (ANDRADE, 1979, p. 703) de 1952, que pode talvez ser a resposta ao mistério do nome não reve-lado e do edifício que o poeta considera seus. Em plena Avenida Copacabana, umedifício aparece “num vão de sombra esquiva”, relembrando um mundo morto.
Drummond diz que o edifício Itabira não é seu, mas também não é de seus apagadosmoradores, que desfrutam do lugar exatamente como os mortos fruem os sete palmosde terra, ou seja, como um túmulo. Palavra e concreto se confundem e o poeta resu-me: “Meu edifício Itabira / todo em abstrato concreto, / vais cumprindo teu ofício /com seres o meu retrato”. O retrato do poeta, portanto, é o próprio nome de Itabira, éa cidade que o gerou.
Ainda neste ambiente bermaniano dos contrários que se anulam, em “Edifício Esplendor”, a grandiosidade da construção moderna revela não o brilho, ou esplendorda obra, mas apresenta, como nas ligações sem uso da cidade invisível de Ercília,relatada por Calvino (1999, p. 72), a falta total de brilho das famílias fechadas emcélulas estanques, sem comunicação: Na areia da praiaOscar risca o projeto.
Salta o edifícioDa areia da praia.
No cimento, nem traçoDa pena dos homens.
As famílias se fechamEm células estanques L É G U A & ME I A : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E D I V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 — 79 Num ranger monótonoSubstância humana.
Entretanto há muitoSe acabaram os homensFicaram apenas tristes moradores. (.)“- Que século, meu Deus! diziam os ratos.
E começavam a roer o edifício.
(ANDRADE, 1969, p. 64) No cimento, não há traço da pena, como sensibilidade, ou da arte presente na pena do arquiteto que fez saltar o edifício. Os apartamentos são como alvéolos sepa-rados, pequenas células onde acontece a desumanização. Não há mais homens, naacepção da palavra. “Ficaram apenas tristes moradores”, o que significa que os ho-mens são agora restos de homens, sem a alegria da humanidade, são apenas “os quemoram” sem viver, como ruínas humanas. Entre as descrições minuciosas, as instala-ções de gás que são úteis para o suicídio, e as memórias dos mortos que convivemcom os vivos, no edifício de um século supostamente glorioso, onde um elevadorrange monotonamente o movimento das pessoas. O esplendor da modernidade, por-tanto, está condenado; já é ruína.
Desta forma, é possível deduzir que, para Drummond, além de emblematizarem o mundo modernizado, os edifícios são aqueles que recolhem as perdas da vida mo-derna, são depositários de restos de substância humana. E como obras de um séculoprodutor de ruínas, só lhes resta serem roídos pelos ratos, como velhos mausoléus.
Em “Edifício São Borja” (ANDRADE, 1969, p. 99), poema de compreensão adiada, em estrofes cuja única ligação parece ser a repetição do nome do edifício, osmoradores são “esqueléticos, desajustados, brigando com a vida, nus, surgindo à noi-te em fragmentos”. O nome São Borja, também nome de cidade, parece ser uma invo-cação a um santo desconhecido, caindo, assim, no vazio da angústia que não obtémresposta.
O poeta combina fragmentos de memórias e sonhos e deseja boa viagem no caos moderno, no pressuposto “mar” de gente, aos navios que não se cruzam, comona suposta imagem de uma cidade que talvez tenha sido como Veneza. Drummondsugere que todo edifício é uma “imolação das venezas”, o que retira da cidade seucaráter de fluidez e beleza, sempre como movimento contrário da preservação. Otempo obedece a uma ordem retrógrada, ao se despencar por trás das guerras púnicas.
A suposta santidade do nome do edifício se converte em santuário ou proteção para 80 — LÉ G U A & MEIA : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E DI V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 os que vivem de “peito aberto” por facadas recebidas no mundo que destrói, peitoque recebe e guarda toda a cidade. Por isso, no edifício moram homens partidos,próximos da morte, que moram numa outra amazônia de concreto, ou numa selva depedra.
Cólica premonitóriaCaminho do suicídioFome de gaia - ciênciaSão Borja(.)São Borja são Borja sãoQuatro mãos quatro facadasNum peito só todo abertoE nele cabe a cidadeO vento na roupaUma outra longa amazôniaSão Borja Edifício poço luzNome assobio no vácuoEsperança de emergênciaSão BorjaSão Borja(ANDRADE, 1969: 99) Considerando este mundo partido, em “Desabar”, o poeta confirma sua visão da cidade, ou do mundo moderno como um único prédio prestes a desabar, onde aspalavras imitam a disposição subversiva da queda que não pode ser evitada, e queacaba por demonstrar a ordem real ou a face “anversa” da cidade. No poema, a cons-trução não pode resistir à desconstrução e por isso as edificações concretas como asemblemáticas torres e prédios, ou as minas labirínticas, e as abstratas, como leis eprincípios, desabam num grande conjunto global.
DesabavaFugir não adianta desabavaPor toda parte minas torresEdif ícios princípios L É G U A & ME I A : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E D I V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 — 81 muletasdesabando nem gritardava tempo soterradosnovos desabamentos insistiamsobre peitos em pódesabadesabadesabadavamas ruínas formaramoutra cidade em ordem definitiva.
(ANDRADE, 1979, p. 459.) O poema ratifica a idéia de que a novíssima ordem da pós-modernidade vem dando aos nossos cenários urbanos, através da compressão de espaço e tempo a queassistimos acontecer, a impressão de que “o presente é tudo que existe” (HALL,1999,p. 70.) ou seja, a cidade acaba por absorver as faces do tempo, misturando as formasde um passado que cada dia é mais recente e fazendo surgir, junto com a visão dodesabamento da realidade, a necessidade de registrar na literatura e em outras repre-sentações, a pressão das novas velocidades e os problemas trazidos por elas, como asnovas experiências cinematográficas, ou as alternativas surpreendentes de emprego emoradia.
Por isso, para o autor mineiro, o coração já é pó, depois de sucessivos desaba- mentos, e a ruína é a única ordem real da cidade, como menciona Benjamin (1975:19) acerca da nova Paris. Para ser Cosmópolis, ou parecer-se com uma, então, é preci-so entrar no processo de demolição, que é um dos dois lados da moeda da construção.
Mais tarde, o poeta escreve “A Torre sem Degraus”, de 1968, onde sugere a infinitude de uma torre babélica citadina. Os habitantes de cada andar são seres pe-quenos e centrados em si próprios, por terem sido modelados pela filosofia contidanos prédios, a qual impôs sua forma capitalista de viver.
No térreo se arrastam possuidores de coisas recoisificadas No 1o andar vivem depositários de pequenas convicções, mirando-as, remirando-asCom lentes de contato.
No 2o andar vivem negadores de pequenas convicções, pequeninos eles mesmos.
No 3o andar – tlás tlás- a noite cria morcegos.
No 4o, no 7o, vivem amorosos sem amor, desamorando. (.) 82 — LÉ G U A & MEIA : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E DI V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 No 28o saem boatos de revolução e cruzam com outros de contra- revolução.
Impróprio a qualquer outro uso que não seja o prazer, o 29o foi declarado inabitável.
No 43o, no 44o, no. (continua indefinidamente) Os andares são infinitos. Em todos, pessoas ou lugares vazios de sentido, con- traditórios, incoerentes. A mesma torre que é Babel e edifício moderno, não tem de-graus, porque em sua infinitude, todos os andares são o mesmo, apenas se sobrepõemcomo uma imensa colagem de situações onde a cidade contém, em sua forma, todosque a habitam.
Podemos afirmar que o poeta mineiro se liga de forma significativa às questões urbanas pela maneira como percebe a desintegração humana causada pelo fluxo deprogresso e urbanização segregadora, bem como em sua forma de sentir as dores etristezas dos moradores da modernidade em seus melancólicos prédios. Como con-firma o poema “O Boi”, para ele, “a cidade é inexplicável e as casas não têmsentido algum”.
Assim, confirma-se na obra de Drummond a força evocativa e simbólica do prédio como emblema da cidade moderna. E isto lembra as impressões de Benjaminacerca da cidade de Paris representada pelo pintor preferido de Baudelaire: “Meryonfez dos prédios de apartamentos de Paris os monumentos da modernidade”. O poetaDrummond fez de seus prédios em verso retratos vivos de uma modernidade brasilei-ra e universal.
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L É G U A & ME I A : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E D I V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08 — 83 A urbe de DrummondDrummond and the Urban scene RESUMOAo longo da obra de Carlos Drumonnd de Andrade é possível encontrar uma poética do espaço. A leituradas imagens urbanas e rurais feitas pelo poeta mineiro traçam em sua obra um mapa conceitual e represen-tativo da modernidade e da cidade moderna. Este artigo propõe-se a examinar, em alguns poemas de CarlosDrummond de Andrade, a recorrência da imagem dos prédios urbanos como símbolos da modernidadeesvaziadora, que desintegra o ser humano.
Palavras-chave: Modernidade – Poesia – espaço urbano ABSTRACTThrough the work of Carlos Drummond de Andrade it is possible to find a poetics of space. The readingof urban and rural images accomplished by the poet builds a conceptual and representative map of themodernity and the modern city. This study intends to examine in some of Andrade’s poems the recurrenceof the image of urban buildings as symbols of a depriving and disintegrating modernity.
Keywords: Modernity - Poetry - Urban space ROCHA, Flávia Aninger de Barros. A urbe de Drummond.
LLégua & meia: Revista de literatura e diversidade cultural. Feira deSantana, UEFS, v. 6, no 4, 2008, p. 73-84.
Flávia Aninger de Barros Rocha é professora da Universidade do Estado da Bahia, Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS e Doutoranda em Teorias e Críticas da Literatura e da Cultura na UFBA. Tem artigos publicados no Jornal A Tarde, Revista A Cor das Letras e no Caderno de Literatura e Diversidade, da Universidade Estadual de Feira de Santana.
84 — LÉ G U A & MEIA : R E V I S T A D E L I T E R A T U R A E DI V E R S I D A D E C U L T U R A L , V. 6, NO° 4, 2 0 08

Source: http://leguaemeia.uefs.br/4/4_73urbe.pdf

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